Discursos
não bastam. O bom debate
sobre Responsabilidade Fiscal deve tratar de questões concernentes à gestão
pública conduzida pelos governos. Não basta fazer discursos sobre aprovação de
uma lei a que se tem disposição de arrochar salários e sucatear o estado. Para
fazer a avaliação da responsabilidade fiscal de um governo é preciso saber como
se comportou a dívida pública em seu período; qual o quadro dos
déficits públicos ao longo do seu mandato ou como evoluíram a carga
tributária, a taxa de juros e a inflação. As respostas a essas questões básicas
é que permitem chegar a uma avaliação precisa sobre a responsabilidade fiscal
de cada governo. Examinemos estes itens nos governos de FHC e de Lula. Sob
FHC (1995-2002), a dívida pública, como percentual do PIB, saltou de 30% para
61%. No período, a dívida total líquida do setor público cresceu 485%.
Variou de R$ 153 bilhões para R$ 896 bilhões. O cenário delineado por esses
números torna-se ainda mais assombroso quando se considera que o governo FHC,
naquela ocasião, estava privatizando as empresas estatais e que, por exigência
legal, um dos objetivos das privatizações era investir os recursos
apurados na redução da dívida pública. Verificou-se então o milagre da
multiplicação exponencial das dívidas, as estatais se foram e a dívida pública,
que devia ser reduzida, deu um salto astronômico. Dificilmente alguém seria capaz de explicar de forma convincente para
onde foram os 105 bilhões de dólares apurados nas privatizações. Analisando
este fato, não se conhece um processo de endividamento tão violento do estado Brasileiro. Trabalhando
com números reais, sem truques estatísticos, a
dívida líquida do setor público Brasileiro em 2009 fechou em R$ 1,3 bilhão,
ante um PIB de R$ 3,1 trilhões. Assim, a dívida pública caiu para 42% do PIB. Isso significa que FHC dobrou a dívida
pública e que o Presidente Lula reduziu substancialmente esta dívida,
contribuindo para a governabilidade do Brasil. Com a Presidenta Dilma Rousseff
a dívida pública brasileira continuou sua trajetória declinante. Em maio,
o banco central anunciou que esta dívida tinha caído para 35% do PIB.
Isso significa que o Brasil enfrenta a atual crise mundial desfrutando de uma
relação dívida/PIB confortável. Poderíamos até dizer invejável aos
olhos de países que em 2011 já tinham uma relação dívida/PIB bem pior que a Brasileira.
Refiro-me a países como Japão (225%), Itália (118%), França (83%), Reino Unido
(76%) e Espanha (63%), para não citar os Estados Unidos que, ano passado,
estiveram na iminência de dar um inédito calote em seus credores, deixando o
mundo à beira de um ataque de nervos. Vale registrar também que dados do IPEA
mostram que os déficits nominais do setor público variaram, no período de 1995
a 2002, 7% em média; enquanto do período 2003 a 2009 a média da variação foi de
2%. Verifica-se também neste item o descalabro fiscal do governo FHC. Mas
a demência fiscal não se limitava aos números acima citados. Outras vezes ela
assumiu feições rocambolescas. FHC resolveu ampliar a dolarização dos títulos
públicos, aumentando a parcela da dívida interna vinculada ao câmbio. A parte dolarizada da dívida,
que correspondia a 5% do total em 1995, foi para 34%, em 2002. Durante
o primeiro governo FHC o câmbio foi administrado. Esta administração do câmbio
manteve o Real artificialmente valorizado. A âncora cambial funcionava como
instrumento de controle da inflação, numa política que Bresser Pereira, com a
autoridade de quem foi ministro de FHC, chamou de populismo cambial. A deterioração
das contas externas, decorrente dos constantes déficits, foi mostrando, desde
1997, que aquela política era insustentável. Mas FHC não deu ouvidos aos
alertas, seu objetivo era ganhar a eleição. Mas, nas vésperas das eleições de
1998, o país tangenciou a bancarrota. Foi salvo da falência porque o FMI
aplicou com urgência uma injeção de US$ 40 bilhões na veia da combalida
economia brasileira. Esta operação de urgência salvou a reeleição de FHC e
serviu para adiar a mega-desvalorização do Real para janeiro de 1999, primeiro
mês do maldito segundo mandato do Príncipe da Sociologia.
Nesta ocasião o mercado impôs a livre flutuação da moeda, ou seja, uma brutal
desvalorização do Real, triturando até mesmo as pálidas "bandas de
flutuação endógenas", concebidas por Pedro Malan. Esta política
de dolarização estimulou bancos e outras empresas a se endividarem em dólar
para tirar proveito da diferença entre as taxas de juros praticadas aqui e as
taxas vigentes no exterior. Com isso eles buscavam evitar as taxas de juros
extorsivas vigentes no Brasil, mas expunham-se às incertezas de um Real
artificialmente sobrevalorizado. A carga tributária durante o governo tucano, de
1993, ano em que FHC assumiu o ministério da fazenda, ainda no governo Itamar Franco
e 2002, quando ele encerrou seu segundo mandato, saltou de 25% do PIB para
32% do PIB. Ocorreu, portanto, em nove anos, um crescimento da carga
tributária equivalente a 7% do PIB. Sob
o governo do Presidente Lula a carga tributária saiu de 32% do PIB para 35%,
ocorrendo, portanto, um crescimento equivalente a 3% do PIB num período de oito
anos. É preciso, no entanto, considerar que o crescimento da carga
tributária nos dois governos foi de natureza diversa. Sob FHC, o crescimento da
carga tributária se deu em função da criação de contribuições, como CPMF e CIDE,
pelo avanço da COFINS e pelo congelamento da tabela do IR. No governo Lula não
houve criação de novos tributos. Pelo contrário, eliminou-se a CPMF. Sob Lula,
a arrecadação tributária cresceu porque a economia e o emprego cresceram, provocando
assim um aumento do número contribuintes. Quando o Presidente Lula
assumiu o governo, a taxa SELIC era de 25%, hoje esta em 8%, e brilhava um
universo de números assombrosos: inflação de 13%, agora em 5%, risco país de
2.400 pontos, hoje de 179 pontos, dólar cotado a R$ 4, agora em R$2, reservas
cambiais praticamente nulas, hoje são mais de US$ 300 bilhões, desemprego a 12%,
agora esta em 6%, salário mínimo em torno de 70 dólares, hoje vale mais de 300.
Foi neste quadro de catástrofe que o Presidente Lula iniciou seu mandato. Hoje,
no Brasil, se praticam taxas civilizadas de juros, o que é mais um sinal de
responsabilidade fiscal dos governos liderados pelo PT, porque os papéis da
dívida pública são remunerados com base na taxa SELIC. Para concluir,
valeria acrescentar que quem pratica responsabilidade fiscal não vai ao FMI
pedir empréstimos. FHC foi três vezes, porque o país estava à beira da
bancarrota. Sob o governo Lula, o Brasil deixou de ser devedor e passou a
ser credor internacional, concedendo empréstimos ao FMI, permitindo assim que
se tenha condições para socorrer países afetados pela crise financeira
internacional. É por tudo isso que o discurso sobre responsabilidade fiscal é
uma das maiores imposturas do cenário político Brasileiro atual. É tão falso
como uma cédula de três reais.