sexta-feira, março 30, 2012

NÍVEIS ALARMANTES

A combinação entre o endividamento público, a Lei de Responsabilidade Fiscal e as metas de superávits primários, associadas às despesas vinculadas à educação e saúde, gerou um quadro financeiro crítico para o poder público. A disponibilidade de recursos orçamentários para investimentos secou dramaticamente. A retomada do crescimento da economia despertou para a necessidade de investimentos na expansão e recuperação da base produtiva do País. A carência e a deterioração das matrizes de energia e de transporte colocam em jogo a expansão econômica. Segundo a Associação Brasileira da Infraestrutura e Indústrias de Base, a necessidade de recursos para investimentos em infraestrutura no País é estimada em R$ 800 bilhões. São R$ 376 bilhões em petróleo e gás, R$ 141 bilhões em energia elétrica, R$ 120 bilhões em transporte e logística, R$ 98 bilhões em telecomunicações e R$ 67 bilhões em saneamento. A carência de recursos não se limita apenas às necessidades infraestruturais. A deterioração dos serviços públicos, sobretudo nas áreas de educação, saúde e segurança, atinge níveis alarmantes, capazes de corroer de modo acelerado a sociedade organizada. Em suma, o País vive um estágio caracterizado por uma enorme demanda por investimentos em infraestrutura e serviços públicos frente a orçamentos dramaticamente restritivos. Não há mais espaço para impor maior carga de impostos ao contribuinte e a margem para expansão do endividamento é pequena. Portanto, a questão que se coloca é: como equacionar esse angustiante cenário? Como o País poderia eliminar os gargalos que impedem a economia de crescer e de que forma a crise social poderia ser minimizada? Mais do que qualquer debate envolvendo aspectos ideológicos, o encaminhamento dessa questão passa pela emergência de um novo padrão de relacionamento entre os poderes público e privado. A saída é a implementação de parcerias entre os governos e as empresas. Ao setor privado as evidências apontam não apenas para a capacidade técnica, administrativa e gerencial para sua incorporação na produção de bens e serviços a cargo do Estado. Há capacidade produtiva ociosa em busca de realização e liquidez que poderiam ser canalizada para financiar investimentos sob responsabilidade dos governos. Pelo lado do setor público, desenvolver formas cooperativas de atuação com a iniciativa privada é a saída para a realização dos investimentos necessários. Essa interação se apresenta com enorme potencial para a implementação de projetos voltados à qualificação de serviços prestados pelo Estado e para a provisão de equipamentos sociais. A convergência de interesses legítimos dos setores governamental e privado se faz necessária para o Brasil implementar os investimentos necessários para qualificar os serviços públicos e expandir a infraestrutura. Vale a tese, segundo a qual as transações entre dois agentes econômicos ocorrem quando ambos satisfazem seus interesses. Essa ideia precisa ser difundida e deve nortear as ações relacionadas ao desenvolvimento sócio-econômico no País.

terça-feira, março 20, 2012

Redistribuição Tributária

A saúde financeira dos municípios brasileiros padece de vários problemas. Entre eles, o baixo nível de investimentos, baixa arrecadação própria e endividamento. É o que apurou o Índice Firjan de Gestão Fiscal. Segundo o levantamento, apenas 95 prefeituras têm gestão excelente no país. Em contrapartida, 64% dos municípios receberam uma classificação "difícil" ou "crítica". Talvez o dado que mais preocupe seja o fato de que 83% dos municípios não geram nem 20% de receita própria. Assim, a esmagadora maioria precisa de transferências da União e dos Estados. Informa a Firjan que apenas 83 prefeituras conseguem pagar a folha de pessoal com dinheiro próprio. O peso da folha vem crescendo. Os números da Firjan dão conta que os gastos com pessoal passaram de 45% das receitas correntes líquidas das prefeituras para 50%, um aumento de R$ 38 bilhões. E aqui é importante saber se isto vem sendo em função de salários de professores, de servidores de saúde e do pessoal que atua na área social e de infraestrutura urbana. Se este for o caso, estes gastos estão mais do que justificados. Afinal, não há como melhorar os serviços públicos sem contratar e não há como reter funcionários públicos sem remunerá-los de forma condizente. O levantamento apurou, por outro lado, que existe nos caixas dos municípios menos recursos para investimentos. Metade das prefeituras está em situação crítica, tendo aplicado em 2010, em média, apenas 7% da receita. Em relação aos restos a pagar: 19% das cidades deixaram menos dinheiro em caixa do que as obrigações a serem pagas no ano seguinte. Em outras palavras, rolaram suas dívidas de um ano para o outroO quadro indica o que já estamos dizendo há muito tempo: já é mais do que hora de refazermos o pacto federativo. Sem isso, não há saída. A não ser por meio de crescimento econômico e da arrecadação, o que viabilizaria mais recursos para investimentos. No capítulo investimentos, aliás, indica a pesquisa que, em média, são baixos. A saída, neste caso, é conhecida. Já falamos bastante sobre a importância da reforma tributária - não apenas de mudanças nas regras da cobrança do ICMS, ou o fim do desconto na folha. Estou me referindo a uma extensa reforma social e federativa, que ponha um fim ao caráter regressivo e indireto dos impostos e redistribua, de fato, o bolo tributário de uma forma mais republicana.

sexta-feira, março 16, 2012

Governança e Democracia

O professor Archon Fung acredita que a América Latina pode estar passando por profundas transformações que significariam a reinvenção da democracia. Seu texto é uma análise de livros que tratam da democracia na região. Na verdade, apenas um trata da América Latina. Os outros três tratam do Brasil. O mais importante em seu livro é considerar que o Brasil estaria no epicentro da revitalização democrática e da criatividade institucional!!! 
Tal afirmativa é forte, em se tratando de um país que ainda assiste a tantos escândalos e ainda apresenta traços arcaicos no modo de conduzir a política. No entanto, por mais otimista que possa ser, a afirmação não é desprovida de fundamento. Muitos estão ocupados em encontrar defeitos no sistema político nacional. Eu mesmo já escrevi sobre isso. É fácil. Difícil é encontrar bons exemplos que representem avanços concretos na direção do fortalecimento da democracia. 
Um dos aspectos saudados como inovador por Fung é o Orçamento Participativo (OP), criação do PT gaúcho que institucionalizou o debate sobre as prioridades orçamentárias dos municípios. O OP foi implementado em 1989 por Olívio Dutra, foi mantido durante os 16 anos em que o PT governou Porto Alegre e foi seguido pelas gestões de Fogaça (PMDB) e Fortunatti (PDT). Devido à sua longevidade, essa iniciativa de participação popular ganhou projeção internacional. Mesmo com todo esse prestígio, o OP foi muito questionado em PoA. Como os prefeitos petistas não tinham maioria na Câmara, o OP também foi utilizado como uma forma de conquistar apoio popular, sobretudo nos bairros mais carentes. Por conta disso, a oposição classificava o OP como uma medida que buscava enfraquecer a democracia representativa. Outra crítica era que as comunidades beneficiadas eram aquelas cujos líderes comunitários tinham ligação com o PT. Independentemente dessas avaliações, o fato é que o OP foi uma medida exitosa de democracia direta. 
Outra iniciativa que deve ser saudada como parte do arsenal de medidas não eleitoreiras e que fortalecem a democracia é a criação do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social da Presidência da República (CDES). Composto por 90 cidadãos representativos de vários setores, o CDES funciona como uma espécie de conselho consultivo para a Presidência acerca dos mais variados assuntos que impactam a sociedade. Em pouco menos de dez anos de existência, o CDES foi capaz de propor soluções e ações que se materializaram tanto como políticas de governo quanto como leis aprovadas no Congresso. Revelou-se interessante, ainda, para os Estados. 
Considerando nossas fragilidades institucionais, estamos longe de representar um modelo para a reinvenção da democracia. Os avanços são lentos e muitas vezes tolhidos de seus aspectos mais inovadores. Porém, algumas das novas iniciativas se revelam bastante interessantes para institucionalizar uma participação mais efetiva da sociedade civil na governança do país. 

quarta-feira, março 14, 2012

A Nova História do Brasil

Hannover, Alemanha, 2001. No final de semana que antecedia a participação de uma delegação de empresários brasileiros, na maior feira de tecnologia da informação do mundo, a CeBIT, uma revista era dedicada ao Brasil. Nela constavam mulheres muito atraentes, em biquínis minúsculos na praia de Copacabana, posando com copos de caipirinha em mãos. Numa única foto, vários símbolos identificavam nosso país: a sensualidade da mulher, a beleza de nossas praias e a exótica e apreciada bebida nacional. Todo o conteúdo da matéria girava em torno destes símbolos e limitava-se a tratar do modo de vida despojado, festivo e descomprometido de nosso povo. Nessa época o Brasil não apenas produzia software, como tinha um mercado superior a US$ 7 bilhões nesta área. Nossa automação bancária já era considerada a melhor do mundo e não usávamos cédulas de papel nas eleições, mas urnas eletrônicas capazes de coletar e apurar mais de 100 milhões de votos em poucas horas. Nossa declaração de imposto de renda era feita via internet em minutos. 
Onze anos transcorreram e saltamos da condição de desconhecidos e estereotipados, para a condição de país homenageado da CeBIT!!! Na cerimônia de abertura, a Presidenta Dilma Rousseff, acompanhada de Ministros e Governadores, sob o olhar atento de sua anfitriã, Angela Merkel, afirmou que as soluções verde-amarelas auxiliam a competitividade brasileira a alcançar a posição de quinta maior economia do mundo. Em 2012, o mercado brasileiro deverá crescer acima da média internacional. Em onze anos, saímos de um acanhado estande, para um espaço de 1.200 metros quadrados distribuídos em quatro Pavilhões. Ao invés de uma infinidade de nomes e logos, uma identidade visual única: Brasil IT+. Conferindo seriedade e profissionalismo à presença brasileira organizada pela Softex. A saga prestigiada por mais de 130 organizações nacionais não serviu apenas para colocar o Brasil definitivamente no radar mundial como opção das grandes corporações globais na hora de especificar suas demandas por sistemas e soluções de informática, gerou US$60 milhões em negócios e a certeza de que o mundo mudou. Afinal, em pouco mais de uma década, os termos: terceiro mundo ou país subdesenvolvido que nos rotulavam, deram lugar as expressões “economia emergente” e “bola da vez”.  

Prioridades

A Fundação Dom Cabral foi ouvir as maiores companhias instaladas no país, que representam 30% do PIB, para saber quais deveriam ser, na opinião delas, as principais obras em infraestrutura. 
As dez obras prioritárias, de acordo com a pesquisa, são: Expansão da rede de banda larga; Duplicação da BR-101; Rodoanel Trecho Norte; Duplicação da BR-116;  Melhorias no Porto de Santos; Concessão de rodovias federais; Aumento da oferta de rede de fibra ótica nas regiões metropolitanas; Aumento da capacidade de terminais e pistas do Aeroporto de Guarulhos; Dragagem dos portos; Construção do segundo anel viário de Belo Horizonte

Todas as obras prioritárias deste país estão sendo tocadas pelo Governo. Os patrocinadores desse estudos deveriam pressionar o IBAMA e o TCU para que não paralisassem as obras. E que defendessem as compensações e os TAC´s que estabelecem, diante de problemas apurados, novas determinações às empresas responsáveis pelas obras, enquanto mantêm os projetos em andamento. É ruim para a sociedade o adiamento, o atraso e a paralisação de obras. Portanto, melhor seria que se evitasse a judicialização das obras. De outro lado, valeria, ainda, pressão sobre as empreiteiras para que não disputassem licitações com preços subestimados para, depois de ganhá-las, não conseguirem fazer as obras, solicitando aditivos. As 259 companhias ouvidas pela pesquisa podem ajudar, e muito, pressionando os órgãos públicos e as empresas do setor de construção na direção de soluções rápidas e urgentes.

Vox Populi

A história, às vezes, acontece sob nossos olhos e não nos damos conta. Só mais tarde atinamos com a importância de algumas mudanças. Semana passada, tivemos uma novidade. Justo onde são tão frequentes que nem merecem registro. Mas não foi coisa corriqueira.
Pela primeira vez, um vídeo de conteúdo inteiramente político postado no YouTube transformou-se em um grande fenômeno de massa, pelo volume de acessos e as reações que despertou. Em apenas três dias, chegou a mais de 50 milhões de visualizações. É provável que já tenha ultrapassado 100 milhões, em apenas sete dias. Os números são eloquentes, mas não constituem o aspecto mais relevante e peculiar do ocorrido. Afinal, virais com estatísticas notáveis não são tão raros. Outro dia mesmo, o vídeo clipe da canção “Ai se eu te pego”, de Michel Teló, se transformou em um acontecimento mundial bem maior que o caso que estamos discutindo: obteve mais de 230 milhões de visualizações. Mas as diferenças são enormes.
A principal é o conteúdo. O vídeo Kony 2012 nada tem de entretenimento. É um documentário político, dura 30 minutos e é falado em inglês. E trata de política internacional e de direitos humanos, considerados temas áridos. O vídeo é uma denúncia das atrocidades cometidas por Joseph Kony, personagem menor e lamentável dos conflitos que, nos últimos 20 anos, vêm devastando a África Central. Em uma região do mundo que vive o pesadelo hobbesiano da ausência do Estado, onde a “guerra de todos contra todos” está declarada e os fortes esmagam os fracos, Kony se distinguiu pelas barbaridades dos soldados de seu “exército”. O palco é Uganda, seu país de origem.
Entre muitíssimas violências, sequestrou milhares de crianças de suas famílias, para escravizá-las e obrigá-las a fazer parte de suas tropas. Esse é o fulcro da denúncia que motivou o vídeo, produzido e postado por uma organização chamada Invisible Children, em alusão à ausência de percepção internacional a respeito das vítimas. A discussão do caso em si - quem é Kony, como chegou a ser o que é, que importância tem hoje em Uganda e na política regional - escapa a nosso interesse. O notável é como um tema que poucos especialistas conheciam até semana passada se transformou em assunto que motiva 100 milhões de pessoas mundo afora. A imensa maioria das reações ao vídeo foi positiva, mas o caráter vagamente esquerdista de seus produtores suscitou a costumeira reação contrária. A internet também se encheu de vociferações contra a “fraude” que estariam perpetrando, com os argumentos típicos da mesma direita raivosa que temos no Brasil. Isso em meio a tudo que é característico da internet - paródias espontâneas, manifestações de apoio, postagens com legendas em dezenas de idiomas...
Que consequências concretas o documentário terá? Vai fazer com que 2012 seja o ano do acerto de contas da comunidade internacional com Kony?? Fará com que o governo norte-americano pare de fazer vista grossa aos conflitos que não colocam em risco os interesses do país???
Difícil dizer. Mas Kony 2012 criou um precedente: 100 milhões de pessoas pararam para ver uma denúncia política e foram discuti-la, sem que fosse necessário exibir imagens chocantes ou sensacionalistas. O YouTube tem milhares de vídeos de conteúdo político. Mas nenhum tinha tido o impacto desse. Será que começou um novo tempo, em que milhões de pessoas mundo afora podem ser mobilizadas por causas políticas e humanitárias???

Veja o vídeo e tire suas conclusões, mas não leve em conta a qualidade da tradução.

segunda-feira, março 12, 2012

Transgressão

Nos últimos 10 anos, Desembargadores do Tribunal de Justiça de São Paulo receberam seus atrasados acrescidos de juros de 1% ao mês. A taxa deveria ter sido de 0,5%. Dias depois o Presidente da Corte, Ivan Sartori, disse que isso aconteceu porque “o Tribunal, simplesmente, por descuido, deixou de rever essa forma de correção quando vieram leis específicas da Fazenda”. Descuido??? Com juros não se brinca. Conta a lenda que em 1676 os holandeses compraram a ilha de Manhattan dos índios pelo equivalente a 24 dólares. A juros compostos de 7% anuais, hoje esse dinheiro seria suficiente para comprar todo o patrimônio imobiliário da ilha. As cifras recebidas por 29 Desembargadores paulistas investigados porque teriam furado a fila de acesso às indenizações sempre soaram esquisitas. Um milhão para cá, R$ 500 mil para lá. Os magistrados tinham direito ao dinheiro. Afinal, em 2000, o auxílio-moradia dado aos parlamentares foi estendido aos Juízes e, oito anos depois, foi reconhecido um crédito retroativo. O auxílio-moradia para Desembargadores que trabalhavam em São Paulo ficou em R$ 3 mil mensais. Num exemplo hipotético, com juros de 0,5% ao mês, uma pessoa que fosse indenizada por quantias idênticas, pelo mesmo período de 40 meses, num cálculo feito ao final de dezembro 2010, receberia  aproximadamente R$ 250 mil. Se os juros fossem de 1%, a fatura ficaria em torno de R$ 700 milA teoria do “descuido” é pobre. Não foi um erro de conta. Se fosse, teria ocorrido “simplesmente” um constrangedor e bondoso equívoco. Foi uma transgressãoAs “leis específicas da Fazenda” mandavam uma coisa e o TJ-SP distribuiu o dobro. Se a lei fixa uma taxa e os Desembargadores usufruem de outra, abala-se a confiança que a patuleia deposita em suas sentençasVá lá que todos os Desembargadores vissem no estacionamento da Corte o Porsche Cayenne do presidente do Tribunal que autorizou esses pagamentos. Vá lá que se desse aos Desembargadores que vieram da advocacia privada o direito de receber licenças-prêmio da Viúva pelo tempo em que trabalhavam em bancas particulares. Vá lá que, por necessidades especiais, 29 afortunados passassem à frente dos outros 324 magistrados. Vá lá que entre essas necessidades estivesse a reforma de um apartamento inundado pela chuva. Esquisito, porém legal; juros dobrados, nãoNão custa repetir o ensinamento do juiz Louis Brandeis: “A luz do sol é o melhor desinfetante”. O Tribunal de Justiça de São Paulo precisa divulgar todos os nomes, cifras e cálculos que guarda consigo. Fazendo isso, o Judiciário será o maior beneficiado. Do jeito que estão as coisas, arrisca-se um pesadelo: um dia, Desembargador deixar de ser título, tornando-se adjetivo.

terça-feira, março 06, 2012

Um Estado de controvérsias

Dois fatos abalaram profundamente os fundamentos dos diferentes modelos do Estado moderno: a globalização, gerando uma notável mobilidade de capitais e de mão-de-obra, e as novas tecnologias de comunicação e informação. O denominado socialismo real resultou em rotundo fracasso, em virtude da ineficiência econômica e da corrupção. As diversas espécies de Estado mínimo, glamorizadas pelo virtual sucesso do governo de Margareth Thatcher, estão na raiz das espetaculares e recentes crises econômicas internacionais, que evidenciaram o enorme equívoco da deificação do mercado. Já o Estado de bem-estar social mostrou-se incompatível com as cargas tributárias decrescentes exigidas pela vigorosa competição internacional. A expansão dos programas sociais impõe custos para a sociedade, somente suportados por cargas tributárias elevadas. Financiá-los com dívida pública é desastre certo. Foi nesse contexto que explodiram crises em vários países da Europa, das quais resultaram ondas de indignação. A propósito, já observava Upton Sinclair: “é difícil conseguir que um homem perceba alguma coisa quando seu salário depende de não percebê-la”. Sobre o modelo chinês de Estado, pouco se sabe. Em boa parte pelo caráter introspectivo de sua cultura secular. Falar-se, no caso, em capitalismo de Estado corresponde a uma grosseira simplificação dessa realidade. A única e reconhecida evidência é o impressionante sucesso de suas políticas econômicas recentes. Decifrar o enigma chinês, por conseguinte, vai requerer muito mais do que os modelos analíticos ocidentais ensinam. O fracasso dessas soluções, ressalvado o indecifrável caso da China, aponta para a construção de novos modelos de Estado. Por ora, as dúvidas prevalecem sobre as certezas. No Brasil, como se sabe, a racionalidade e a coerência não constituem virtudes suficientemente cultuadas. A despeito disso, existem problemas no Estado que não mais comportam adiamentos, antes que sejamos condenados a resolvê-los em tempos de crise. A questão mais grave é a previdenciária. Os colossais déficits só tendem aumentar com o aumento da expectativa de vida da população e redução dos índices de natalidade, o que nos obriga a adotar uma postura de responsabilidade para que as gerações futuras não sejam oneradas pela nossa incapacidade de resolver os problemas presentes. Nesse sentido, foi alvissareira a aprovação, pela Câmara dos Deputados, das regras de aposentadoria aplicáveis aos entrantes no serviço público federal. É verdade que a matéria ainda está pendente de aprovação no Senado e de sanção presidencial. De mais a mais, os Estados e os Municípios precisam tomar decisões do mesmo gênero, sob pena de criar distorções no setor público. Ainda em termos de política previdenciária, malgrado os custos políticos, já passou da hora de eliminar injustificados privilégios de gênero e profissão e de rever os limites de idade para aposentadoria, fixados na Constituição, como se fosse possível constitucionalizar expectativa de vida. A política de pessoal é caótica, sobretudo em virtude de um desgovernado torneio salarial entre distintas carreiras e assemelhadas carreiras dos diferentes Poderes. As vantagens da função pública são tão evidentes que, não raro, pessoas passam a se dedicar exclusivamente à preparação para concursos públicos, assumindo a curiosa ocupação de “concurseiros”. A prodigalidade dos cargos comissionados de livre nomeação abre espaços para o fisiologismo e o aparelhamento, cujo enfrentamento exige a fixação de critérios técnicos para seu provimento. Ainda que o STF tenha suprido a lacuna legal no disciplinamento das greves do serviço público, acolhendo em parte regras próprias da iniciativa privada, é lamentável a mora legislativa no tratamento da matéria. Esse estado de coisas cria condições para que sejam deflagradas as selvagens greves de policiais, em completo desrespeito à Constituição. Greve de pessoas armadas é motim!!! Não pode, portanto, haver condescendência nas punições. O mais grave é que as demandas policiais são maculadas por um impressionante processo de corrupção e de ineficiência que explica a dramática falência do sistema de segurança pública do País. De resto, greve no serviço público, não se pode esquecer, tem como alvo a própria população, daí porque requer uma legislação bastante restritiva. Superar esses problemas, entretanto, significa disposição para enfrentar fortes resistências. A experiência, entretanto, me oferece boas razões para ser cético quanto ao sucesso da tarefa.

segunda-feira, março 05, 2012

Ciência e Desenvolvimento

A Presidenta Dilma Rousseff tem viagem marcada para os Estados Unidos, onde vai se encontrar com Barack Obama. Vai cumprir uma agenda, cujos destaques serão os temas relacionados com a educação, em particular iniciativas para turbinar o Programa Ciência sem Fronteiras, que prevê o intercâmbio de professores americanos e alunos brasileiros nas universidades dos dois países. É intenção do governo aumentar neste ano para 18 mil o número de bolsas em cursos de pós-graduação no exterior e não somente nos EUA. Faz parte do objetivo estratégico de ampliar os incentivos à inovação, anunciado por Dilma no final de 2011, o financiamento oficial a 100 mil bolsistas brasileiros nos próximos anos, em todas as áreas que ofereçam a oportunidade de acelerar o desenvolvimento tecnológico. Os Estados Unidos são ainda a fonte mais avançada do conhecimento técnico-científico e, prosperando os acordos que se pretende firmar durante a visita, a economia brasileira poderá se beneficiar muito desse entrosamento, especialmente o seu setor industrial que depende fundamentalmente da inovação para garantir a futura capacidade de competição nos mercados mundiais. Não custa lembrar que o grande competidor universal mantém 200 mil chineses estudando em universidades e cursos científicos no exterior, aproximadamente 80% nos Estados Unidos, Canadá e Inglaterra. Reportagem especial da The Economist, sob o título geral de “Capitalismo de Estado”, inserida na CartaCapital, traz informações e comentários muito interessantes sobre a evolução da economia mundial, com foco no que apontam como a batalha definitiva do século XXI: “Não será entre capitalismo e socialismo, mas entre versões diferentes do capitalismo…” O Brasil é citado, “embora en passant”, como um dos players importantes desse “grande jogo” que vai decidir o futuro da economia mundial. Somos apresentados como “um exemplo de boas práticas para os capitalistas de Estado se espelharem” e pelo fato de “ter sido pioneiro no uso do Estado como um acionista minoritário”. Certamente uma referência ao papel do BNDES, à presença dominante da Petrobras na área de energia e à participação dos fundos de pensão das empresas estatais nos investimentos privados e do próprio Estado. A estrela da reportagem, como não podia deixar de ser, é a China: sua subida meteórica ao primeiro escalão do poder mundial, suas demonstrações de eficiência na concepção de “novos” modelos e na gestão do processo de desenvolvimento e, fundamentalmente, suas ambições de, singelamente, ter o mundo em suas mãos. Como realizá-las, superando uma “brutal competição por recursos limitados”??? O texto relaciona ações do Estado chinês nas duas últimas décadas à procura de matérias-primas em todo o mundo. Muito elucidativa é a avaliação de uma alta fonte diplomática, citada na revista: “Os países ocidentais se sentem seguros ao comprar petróleo internacionalmente porque criaram o sistema. A China, não. Ela está convencida de que precisa usar todos os elementos do poder nacional – suas empresas e bancos, suas agências de fomento e diplomatas – para assegurar sua cota justa”. Fica no ar a pergunta: e se o poder financeiro e “as ações diplomáticas” não forem suficientes para garantir a “cota justa”??? São questões que certamente estarão presentes nos encontros que a Presidenta Dilma terá com seu colega Obama e demais personalidades do governo e do empresariado americano. Além do tema principal do intercâmbio universitário, a mídia internacional já incluiu na pauta o interesse americano de discutir parcerias na área energética, com destaque para as oportunidades de exploração do petróleo e gás das jazidas do pré-sal para novos investimentos no desenvolvimento da indústria petroquímica. Durante a visita, uma delegação de cerca de cem empresários organizada pela CNI estará se encontrando com seus colegas americanos para discutir parcerias e transferência de tecnologia.

sexta-feira, março 02, 2012

Esses e Aqueles

Guarde o nome dessas empresas: SP Alimentação, De Nadai/Convida, Sistal, Terra Azul, Nutriplus e Geraldo J. Coan. Elas serão denunciadas pelo Ministério Público de São Paulo. As acusações são formação de quadrilha, formação de cartel, lavagem de dinheiro e fraude a licitações. Quatrocentos milhões de reais foi desviado de dinheiro público, que seria usado para comprar merenda para estudantes de escolas públicas em 57 cidades. Estas empresas pagavam propina a políticos e funcionários públicos para garantir seus bons negócios. Para a conta fechar, sonegavam comida decente aos alunos. Tipo trocar uma maçã de boa qualidade por uma maçã meia-boca. Ou, pior, trocar uma maçã por meia maçã, e coxa de frango por carne de segunda. As merendeiras eram orientadas a servir porções menores. Isso em um país em que muitas crianças contam com a merenda como principal refeição. A história é quente. Um dos bandidos, sócio da Verdurama, uma das empresas do grupo SP Alimentação, foi pego com a mão na massa e topou aliviar sua pena, em troca de dedar os comparsas. É a tal delação premiada. Levou à apreensão de documentos que registravam a podreira toda em detalhes. De acordo com a investigação, estas empresas começaram a pagar propina em 2001. Quem recebia a grana das empresas era Valdemir Garreta, que foi secretário do Abastecimento na gestão de Marta. A roubalheira continuou na gestão Serra - Kassab. A gangue foi mais longe. Passou a botar dinheiro na campanha de candidatos que prometessem adotar terceirização da merenda. Caso de Jandira. A lista vai-se embora, para Marília, Limeira, e os promotores estão investigando corrupção do gênero em Minas Gerais, Maranhão, Paraná, Rio Grande do Sul. Foi muito além dos partidos. A reportagem da Época é de virar o estômago. Virei defensor da pena de morte, mas somente para corruptos e seus corruptores. Tem que ser lida.