terça-feira, junho 26, 2012

As Listas


Adoro Listas!!! Me interesso muito pelas listas de felicidade. Em geral, elas combinam dados sociais e entrevistas nas quais um grupo representativo de pessoas diz qual é seu grau de felicidade. Foi ao ver uma delas, em que a Dinamarca estava na ponta e seus vizinhos nas primeiras colocações, que acabei me interessando pela Escandinávia. Era 2009, e fui pesquisar para entender o que estava por trás da satisfação dos dinamarqueses. O modelo escandinavo é a coisa mais fascinante da Europa. Combina as virtudes do capitalismo com as do socialismo de uma maneira extremamente bem sucedida. Repare. Em todas as listas relativos a avanço social, a Escandinávia domina. Bem, fiz este intróito porque outro dia vi uma lista da Gallup que colocava os venezuelanos como o quinto povo mais feliz do mundo. Um levantamento da Universidade de Columbia  e chancelado pela ONU trouxe também os venezuelanos numa situação invejável: o povo mais feliz das Américas. Como? Mas não é um inferno a Venezuela?? Chávez não é o Satã??? Como curioso que sou, fui pesquisar para tentar entender. Fui dar num estudo feito por um instituto americano chamado CEPR, baseado em Washington: “A Economia Venezuelana nos anos de Chávez”. O CEPR jamais poderia ser desqualificado como “chavista”. E então fico sabendo coisas como essas:
1) Em 1998, quando Chávez assumiu o poder, havia 1628 médicos para uma população de 24 milhões. Dez anos mais tarde, eram quase 20 000 médicos para uma população de 27 milhões;
2) Os gastos sociais subiram de 8% do PIB, em 1998, para 14%. “Se comparamos a taxa de pobreza pré-Chávez (44%) com a registrada dez anos depois (27%), chegamos a uma queda de 37% no número de venezuelanos pobres”, afirma o estudo.
3) O índice de desemprego, que era de 19% em 1998, caiu pela metade.
No trabalho, os autores notam que a percepção entre os americanos sobre a Venezuela de Chávez é ruim. Motivo: a cobertura enviesada da mídia. E, com números, desmontam o mito de que o segredo do avanço da Venezuela está no petróleo e apenas nele. Mas eu queria saber mais. Dei no site do Jazeera, uma emissora árabe bancada pelo Catar que faz jornalismo de primeira qualidade. O Jazeera traz vozes que você não costuma encontrar na imprensa brasileira, e isso ajuda você a entender melhor o mundo. Vi um programa jornalístico cujo título era: “Os venezuelanos estão melhor sob Chávez?” Como sempre, o Jazeera colocou especialistas com visão diferente. Um comentarista americano criticou o “espírito de mártir” de Chávez. Mas os dados objetivos ninguém contestou. A mortalidade infantil diminuiu, a expectativa de vida aumentou, o número de universitários cresceu e as crianças venezuelanas estão indo à escola numa quantidade sem paralelo na história do país. Um consultor americano de empresas interessadas em investir no exterior disse: “Quem quer que queira se eleger na Venezuela vai ter que dar prosseguimento aos programas sociais”. Problemas? Muitos. Criminalidade alta, pobreza e desigualdade ainda elevadas. Mas atenção: os problemas antes eram muito maiores. Vale a pena ver o premiado documentário do jornalista australiano John Pilger, radicado na Inglaterra, sobre o papel dos Estados Unidos na América do Sul. O nome é Guerra contra a Democracia. Ele está disponível, em fatias, no YouTube, com legendas em português. Da imersão em Venezuela, compreendi por que Chávez é tão popular, e por que seu maior adversário nas eleições futuras é, na verdade, o câncer.

Marx


Aqui estou eu, diante da célebre frase de Karl Marx: Os filósofos, até aqui, interpretaram o mundo. A questão é transformá-lo”. Muitas vezes a li, muitas vezes a ouvi, muitas vezes a escrevi. Marx não está inteiramente morto. É visitado cotidianamente por pessoas de todo o mundo. Marx acabou meio que por acaso em Londres, onde passaria os últimos vinte anos de sua vida atormentada por dívidas, furúnculos e brigas de toda natureza. As ideias revolucionárias o fizeram indesejado primeiro na sua Prússia e depois em Paris, onde se asilou. Londres era para ser uma escala temporária, mas se tornaria sua cidade definitiva. Sem Londres Marx não seria Marx. Foi em Londres, na opulência literária incomparável do British Museum, que ele pôde devorar os livros que o habilitariam a escrever O Capital em sua letra ininteligível. O Capital é, depois da Bíblia, o livro mais vendido do mundo. Ambos são muito mais comprados que lidos. O Capital é tão complicado que os estudiosos inventaram uma fórmula para facilitar a leitura na qual a ordem dos capítulos é outra. Assim como Proust e Montaigne, Marx não precisa ser lido linearmente. Algumas linhas ao acaso logo mostram a força descomunal da prosa marxista. Um gênio frasista, Marx é continuamente citado.  “Um fantasma ronda a Europa” e “a história se repete como farsa” são frases que se transformaram em clichês de tanto usadas. Marx inventou muita coisa. Inventou o esquerdista barbudo, uma imagem que resistiu ao tempo. Os brasileiros a conhecem bem. Se Marx não fosse barbudo, Fidel provavelmente importaria barbeadores para sua Ilha. Marx inventou também a crença fanática num sistema que responderia simplesmente a todas as questões que a humanidade pudesse erguer. No apogeu do marxismo, seus seguidores tinham a certeza de que O Capital explicava tudo. É mais ou menos o que pensam hoje os islamitas extremistas sobre o Corão. Marx inventou ainda, indiretamente, o Welfare State, o modelo capitalista europeu no qual os trabalhadores são protegidos. Seu Manifesto Comunista, de 1848, foi determinante para que, poucos anos depois, a Alemanha de Bismarck criasse leis inovadoras trabalhistas. O Manifesto conclamava os proletários a se insurgir porque nada tinham a perder exceto “os grilhões” e tinham “o mundo” a ganhar. O Welfare State, se não ofereceu o mundo aos proletários, livrou-os das correntes e deu-lhes o bastante para que tivessem o que perder. Mas Marx inventou também o esquerdista intolerante e fundamentalista. Marx jamais conseguiu conviver num ambiente de ideias que se contrapõem. Rompeu com pensadores de esquerda como ProudhonBakunin por não aceitar divergências. A alma intransigente de Marx moldou a de marxistas como Lênin e Stálin. A crise econômica financeira mundial colocou Marx em situação de vantagem sobre seu arquirrival em influência, o escocês Adam Smith. Smith, autor do clássico A Riqueza das Nações, acreditava que a “mão invisível” do mercado corrigiria tudo. É uma ideia que hoje não parece ter muitos pontos de sustentação. Não foi só Marx que ressurgiu. Também Keynes, o aristocrático inglês que entendia que o governo tinha que de alguma forma guiar a “mão invisível”, voltou a ser tema de palestras, discussões e livros. “Trabalhadores de todo o mundo, uni-vos”. É outra frase célebre sua. Os trabalhadores de todo o mundo afinal não se uniram, como o tempo mostra. Mas como eles poderiam fazer isso se o homem inflamado e excepcionalmente cintilante que os conclamou jamais conseguiu ele próprio, se unir a ninguém que ousasse pensar diferente???

Caprilles


Fiquei interessado em conhecer as idéias de Henrique Caprilles, que é o adversário de Chávez nas eleições venezuelanas. É um jovem, aos 39 anos tem experiência política, foi prefeito e governador. Causa boa impressão, inegavelmente. Tem ascendência polonesa, seus avós fugiram do nazismo, e uma ideologia de centro esquerda. Minha pesquisa se baseou em material internacional, dada a escassez de informações sobre ele nas publicações brasileiras. Nelas, sobretudo entre os comentaristas, Caprilles aparece, basicamente, apenas como uma alavanca para os habituais ataques a Chávez, o satanásO que mais me chamou a atenção foram duas coisas. Primeiro, Caprilles disse, publicamente, que sua “fonte de inspiração” são os programas sociais de Lula. Nos elogios a Caprilles que o leitor brasileiro fatalmente lerá em doses cavalares, este é um dado que provavelmente jamais será citado. Segundo, Caprilles disse, também publicamente, que seria “louco” se interrompesse os programas sociais de Chávez. São vários. Um dos mais interessantes é um que proporcionou atendimento médico a milhões de venezuelanos que jamais tinham tido antes acesso a um médico. Chávez se valeu, aí, de suas boas relações com Cuba – uma referência internacional em saúde pública, algo que nem os mais acerbos críticos de Fidel contestam. Quase 40 mil médicos cubanos estão na Venezuela para atender pobres e, também, ensinar medicina a jovens venezuelanos. Caprilles, caso eleito, pode ter alguma dificuldade em manter a ajuda médica cubana tal como é hoje. Durante os poucos dias em que Chávez foi afastado numa tentativa de golpe frustrada, Caprilles, então prefeito, fez pressão sobre uma embaixada cubana para que fossem entregues chavistas que estivessem porventura refugiados. Caprilles tem feito um discurso conciliador. Diz que será o presidente de todos os venezuelanos, incluídos os “vermelhos”, em referência à cor do chavismo. Mas esta tentativa de conciliação, pelo menos por enquanto, está longe, bem longe de Havana. Caprilles tem uma batalha morro acima: está bem atrás de Chávez nas intenções de voto. Provavelmente perderá, mas é um bom candidato. O PSDB, tão carente de rumo depois de FHC, e tão sem caras novas por conta do monopólio exercido por Serra, e tão sem apelo perante os pobres no Brasil, talvez pudesse encontrar no caso Caprilles uma pista para se reinventar e ser uma alternativa real e moderna ao PT.

Smartphones


O Wall Street Journal noticia o fechamento do escritório da taiwanesa HTC em São Paulo, “que supervisionava vendas e distribuição na América Latina”, para “focar em outros emergentes, como China, onde os segmentos de preço médio para alto, alvos prioritários da HTC, têm mais espaço para crescer”. No site do “WSJ”: O Brasil é seguramente um mercado de crescimento muito rápido para smartphones. Por que a HTC está saindo? Todo mundo está com os olhos voltados para o Brasil. Concorrentes da HTC, Lenovo e ZTE estão procurando instalações para fabricação. Essa operação específica da HTC era de vendas e distribuição, portanto eles não estavam mesmo fabricando, mas é um sinal de que a HTV está realmente tendo dificuldade para ganhar terreno no mercado de smartphones. Se você olhar para o mercado de smartphones agora, há vencedores e perdedores. O campo vencedor é na verdade de Samsung e Apple, com o domínio em fatia de mercado. As empresas que estão se debatendo são Nokia, HTC e RIM.

segunda-feira, junho 04, 2012

Perguntas que sobram

Suponhamos que, no encontro de Lula, Jobim e do Ministro Gilmar Mendes, do STF, tudo tenha se passado exatamente como  este último relatou à Veja, embora os outros dois neguem tratativas sobre a oferta de blindagem ao magistrado na CPI do Cachoeira em troca do adiamento do julgamento do MensalãoA execração do ex-presidente foi imediata, por parte dos que tomaram a narrativa do ministro como verdade indiscutível. Falta perguntar, porém, se a conduta de Gilmar Mendes, como magistrado da corte suprema, foi correta. Manteve ele o decoro exigido??? Foram observados os preceitos do Código de Ética da Magistratura Nacional??? Tal Código determina que o exercício da magistratura seja norteado “pelos princípios da independência, da imparcialidade, do conhecimento e capacitação, da cortesia, da transparência, do segredo profissional, da prudência, da diligência, da integridade profissional e pessoal, da dignidade, da honra e do decoro.” Manda o Código que o magistrado, buscando sempre a verdade nas provas, mantenha “distância equivalente das partes e evite todo tipo de comportamento que possa refletir favoritismo, predisposição ou preconceito”. Mas Lula não é réu no caso e por isso o encontro em si não foi aético ou indevido. Manda ainda o Código que o magistrado denuncie todas as tentativas de cercear sua independência. Supondo que Lula o tenha mesmo pressionado, oferecendo proteção política em troca da postergação do julgamento, o Ministro indignado procurou imediatamente seus pares para relatar o ocorrido, de modo reservado, pautado pelo decoro??? Aqui, cabe ainda outra pergunta: Se Lula, tendo perdido todo o tino político, estava disposto a enfiar o pé na jaca para cooptar ministros do STF, por que não começou pelo Ministro Levandovski, que na condição de revisor é quem, de fato, tem poder para ditar o timing do julgamento??? Gilmar disse ter comentado com alguns colegas, só informalmente, antes de fazer o relato a Veja. Exige o Código que os magistrados sejam  contidos na relação com os meios de comunicação, evitando a autopromoção e a busca de reconhecimento, e mantendo reserva quanto aos processos em curso. E ainda que façam uso de “linguagem escorreita, polida, respeitosa e compreensível”. É pródigo em vedações sobre condutas e obtenção indevida de vantagens e benefícios.   Se a viagem para Berlim foi paga pelo próprio STF, a carona em jatinho para Goiânia não seria uma infração??? Mas supondo sempre que tudo ocorreu como relatou o magistrado, constatamos que pelo menos uma acusação sem provas ele fez a Lula, a de que estaria espalhando boatos sobre seu suposto envolvimento com Demóstenes e CachoeiraE ainda outra, a de que o Delegado federal aposentado Paulo Lacerda estaria assessorando Lula e o PT com a missão de destruí-lo. Lacerda deixou a ABIN  no Governo Lula após ser acusado por Mendes de ter grampeado conversa sua com o Senador Demóstenes. O áudio nunca apareceu e ficou por isso mesmo. Disse ainda o magistrado que Lula estaria a serviço de “bandidos, gângsters e chantagistas” interessados em “melar o julgamentoarrastando o Judiciário para a vala comum, criando uma crise no Judiciário”. Não é preciso usar toga para concluir que um grande mal foi feito à imagem do Supremo pelo Ministro ao acender esta fogueira, na qual fez crepitar também informações nocivas a si mesmoHá uma estranha irracionalidade em tudo o que ele fez. Ou foi um surto, ou há muita água turva neste caso.