Aqui estou eu, diante da célebre frase de Karl Marx: “Os filósofos, até aqui, interpretaram o mundo. A questão é transformá-lo”. Muitas
vezes a li, muitas vezes a ouvi, muitas vezes a escrevi. Marx não está
inteiramente morto. É visitado cotidianamente por pessoas de todo o mundo. Marx
acabou meio que por acaso em Londres, onde passaria os últimos vinte anos de
sua vida atormentada por dívidas, furúnculos e brigas de toda natureza. As ideias
revolucionárias o fizeram indesejado primeiro na sua Prússia e depois em Paris,
onde se asilou. Londres era para ser uma escala temporária, mas se tornaria sua
cidade definitiva. Sem Londres Marx não seria Marx. Foi em Londres, na
opulência literária incomparável do British
Museum, que ele pôde devorar os livros que o habilitariam a escrever O Capital em sua letra ininteligível. O
Capital é, depois da Bíblia, o livro
mais vendido do mundo. Ambos são muito mais comprados que lidos. O Capital é
tão complicado que os estudiosos inventaram uma fórmula para facilitar a
leitura na qual a ordem dos capítulos é outra. Assim como Proust e Montaigne, Marx
não precisa ser lido linearmente. Algumas linhas ao acaso logo mostram a força
descomunal da prosa marxista. Um gênio frasista,
Marx é continuamente citado. “Um fantasma
ronda a Europa” e “a história se
repete como farsa” são frases que se transformaram em clichês de tanto
usadas. Marx inventou muita coisa.
Inventou o esquerdista barbudo, uma imagem que resistiu ao tempo. Os
brasileiros a conhecem bem. Se Marx não fosse barbudo, Fidel provavelmente importaria barbeadores para sua Ilha. Marx
inventou também a crença fanática num sistema que responderia simplesmente a
todas as questões que a humanidade pudesse erguer. No apogeu do marxismo, seus
seguidores tinham a certeza de que O Capital explicava tudo. É mais ou menos o
que pensam hoje os islamitas extremistas sobre o Corão. Marx inventou ainda, indiretamente, o Welfare State, o modelo
capitalista europeu no qual os trabalhadores são protegidos. Seu Manifesto Comunista, de 1848, foi
determinante para que, poucos anos depois, a Alemanha de Bismarck criasse
leis inovadoras trabalhistas. O Manifesto conclamava os proletários a se
insurgir porque nada tinham a perder exceto “os grilhões” e tinham “o
mundo” a ganhar. O Welfare State,
se não ofereceu o mundo aos proletários, livrou-os das correntes e deu-lhes o
bastante para que tivessem o que perder. Mas Marx inventou também o
esquerdista intolerante e fundamentalista. Marx jamais conseguiu conviver num
ambiente de ideias que se contrapõem. Rompeu com pensadores de esquerda como Proudhon e Bakunin por não aceitar divergências. A alma intransigente de Marx
moldou a de marxistas como Lênin e Stálin. A crise econômica financeira
mundial colocou Marx em situação de vantagem sobre seu arquirrival em
influência, o escocês Adam Smith.
Smith, autor do clássico A Riqueza das
Nações, acreditava que a “mão invisível” do mercado corrigiria
tudo. É uma ideia que hoje não parece ter muitos pontos de sustentação. Não foi
só Marx que ressurgiu. Também Keynes,
o aristocrático inglês que entendia que o governo tinha que de alguma forma
guiar a “mão invisível”, voltou a ser
tema de palestras, discussões e livros. “Trabalhadores
de todo o mundo, uni-vos”. É outra frase célebre sua. Os trabalhadores de
todo o mundo afinal não se uniram, como o tempo mostra. Mas como eles poderiam
fazer isso se o homem inflamado e excepcionalmente cintilante que os conclamou
jamais conseguiu ele próprio, se unir a ninguém que ousasse pensar diferente???
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