Suponhamos que, no encontro de Lula, Jobim e do Ministro Gilmar Mendes, do
STF, tudo tenha se passado exatamente como este último
relatou à Veja, embora os outros dois neguem tratativas sobre a oferta de blindagem ao magistrado na CPI do
Cachoeira em troca do adiamento do
julgamento do Mensalão. A execração do ex-presidente foi
imediata, por parte dos que tomaram a narrativa do ministro como verdade
indiscutível. Falta perguntar, porém, se a conduta de Gilmar Mendes, como magistrado da corte suprema, foi
correta. Manteve ele o decoro exigido??? Foram observados os preceitos do
Código de Ética da Magistratura Nacional??? Tal Código determina que o exercício da magistratura seja
norteado “pelos princípios da independência, da imparcialidade, do conhecimento
e capacitação, da cortesia, da transparência, do segredo profissional, da
prudência, da diligência, da integridade profissional e pessoal, da dignidade,
da honra e do decoro.” Manda o Código que o magistrado, buscando sempre a verdade nas
provas, mantenha “distância equivalente das partes e evite todo tipo de
comportamento que possa refletir favoritismo, predisposição ou
preconceito”. Mas Lula não é réu no caso e por isso o encontro em si não foi aético ou indevido. Manda ainda o Código que o magistrado
denuncie todas as tentativas de cercear sua independência. Supondo que Lula o tenha mesmo pressionado, oferecendo proteção política
em troca da postergação do julgamento, o Ministro
indignado procurou imediatamente seus pares para relatar o ocorrido, de modo reservado,
pautado pelo decoro??? Aqui, cabe ainda outra pergunta: Se
Lula, tendo perdido todo o tino político, estava disposto a enfiar o pé na jaca
para cooptar ministros do STF, por que não começou pelo Ministro Levandovski,
que na condição de revisor é quem, de fato, tem poder para ditar o
timing do julgamento??? Gilmar disse ter comentado com
alguns colegas, só informalmente, antes de fazer o relato a Veja. Exige o Código que os magistrados sejam contidos na
relação com os meios de comunicação, evitando a autopromoção e a busca de
reconhecimento, e mantendo reserva quanto aos processos em curso. E ainda que façam uso de “linguagem escorreita, polida, respeitosa e
compreensível”. É pródigo em
vedações sobre condutas e obtenção indevida de vantagens e
benefícios. Se a viagem para Berlim foi paga pelo
próprio STF, a carona em jatinho para Goiânia não seria uma infração??? Mas supondo sempre que tudo ocorreu como relatou o magistrado, constatamos que pelo menos uma acusação sem provas ele fez a Lula,
a de que estaria espalhando boatos sobre seu suposto envolvimento com
Demóstenes e Cachoeira. E ainda outra, a de que o Delegado federal aposentado Paulo Lacerda estaria
assessorando Lula e o PT com a missão de destruí-lo. Lacerda deixou a ABIN no Governo Lula após ser
acusado por Mendes de ter grampeado conversa sua com o Senador Demóstenes. O
áudio nunca apareceu e ficou por isso mesmo. Disse ainda o magistrado que Lula estaria a serviço de
“bandidos, gângsters e chantagistas” interessados em “melar o julgamento, arrastando o Judiciário para a vala comum, criando uma crise no
Judiciário”. Não é preciso usar toga para
concluir que um grande mal foi feito à imagem do Supremo pelo Ministro ao acender esta fogueira, na qual fez crepitar também informações nocivas a si
mesmo. Há uma estranha irracionalidade em
tudo o que ele fez. Ou foi um surto, ou há muita água
turva neste caso.
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