sábado, outubro 02, 2010

Vox Populi

A premissa da democracia é a liberdade do eleitor para definir seu voto. Cada um faz o que quer com ele. Toma sua decisão e a digita na urna. Uns não são mais livres que outros. Ninguém é obrigado a votar como os demais e nem a selecionar seus preferidos da mesma maneira. Não cabe discutir critérios de escolha. Não existe o modo certo de votar. Algumas pessoas definem seu voto levando em conta elementos que outras desconsideram. É possível que uns pensem ser fundamental algo que outros têm certeza que é irrelevante. Só os muito arrogantes acham que todos deveriam usar o critério deles. 
Amanhã, faremos uma eleição presidencial diferente das anteriores. Nela, os eleitores estão sendo convidados a pensar de uma nova maneira: avaliar os candidatos pelo que representam e não pelo que são no plano pessoalNossa cultura política sempre privilegiou a personalidade e as características pessoais dos candidatos como elementos diferenciadores do voto. Até hoje, quando se pergunta, nas pesquisas de opinião, o que é mais importante na hora de escolher determinado indivíduo, a maioria responde sem titubear: “a pessoa”. Essa primazia da dimensão individual leva a que as campanhas se transformem em passarelas nas quais os candidatos desfilam, disputando os olhares e as preferências. Quem fala melhor? Qual o mais preocupado com os pobres, o mais maduro, o mais honesto? É um modelo de decisão ingênuo e estressante para o eleitor. Que certeza pode ter de que consegue enxergar o íntimo dos candidatos? Como escolher, se todos se metamorfoseiam? Se todos se exibem de maneira parecida e falam coisas praticamente idênticas? Como separar o joio do trigo? 
Nestas eleições, muita gente ainda pensa dessa maneira, mas há uma nova, posta na mesa pelo principal ator de nosso sistema político. Nela, o foco da escolha deixa de ser o artista e passa a ser a obra. Por muitas razões, Lula foi levado a apresentar essa proposta ao eleitorado. Talvez porque não tivesse, do seu lado, a opção da candidatura de um notável, talvez porque calculasse que teria mais sucesso desse modo, ele terminou propondo uma mudança na lógica da escolha. Ao invés de cotejar biografias e personalidades, que a eleição fosse uma comparação dos resultados obtidos pelos partidos no poder. Goste-se ou não de Lula, essa proposta é uma inovação em nossa cultura. Ela oferece uma base racional para a escolha, na qual várias ilusões saem de cena. O mito do herói, do candidato do bem, capaz de reformar sentimentos e prioridades, é apenas um, mas dos mais importantes. Chegou a eleger um presidente há 20 anos. 
A candidatura Dilma foi sempre o inverso disso. Ela convocou as pessoas a considerá-la pelo que representava, não por seus atributos pessoais. Sua mensagem era clara: “Olhe para o que proponho, para quem está comigo, para o que fizemos no governo, de certo e de errado. Faça o mesmo com meu adversário principal. Compare e decida”. 
Serra começou a campanha acreditando que os eleitores continuariam a pensar com o modelo de antes, baseado na disputa de biografias. Sua experiência e história bastariam para elegê-lo. Visivelmente, a hipótese não se confirmou. A vasta maioria do eleitorado até admite que seu currículo é melhor que o de Dilma. Mas pensa em votar levando em conta outros fatores. 
Nestes últimos dias, uma nova encarnação da forma antiga de escolher está em voga: Marina. Ela tem tudo que conhecemos de algumas candidaturas do passado. Perguntada sobre como governaria, é franca: "com os bons dos dois lados". Ou seja, está sozinhaSó um romantismo quase pueril acreditaria que é possível governar assim. Mas é tão arraigada a fantasia a respeito das “pessoas de bem que mudam o mundo da política” que muita gente se seduz por ela. O “Povão”, mais realista, olha isso tudo com descrença.

Nenhum comentário: