sábado, janeiro 15, 2011

Olhar

Cesar Cielo é um sujeito de sorte. Claro que sua performance histórica no mundial de natação em Dubai tem mais a ver com os anos de dedicação e de suor e com tudo aquilo de que abriu mão ao longo de sua vida para chegar aonde chegou. Sem deixar de lado a eventual sorte genética com que foi premiado pelo papai do céu, a sorte de Cesar a que me refiro tem mais a ver com a época em que nasceu. Uma época na qual seus feitos podem ser vistos e festejados por milhões de pessoas e que, por isso, permite não só que colha os frutos de sua batalha em termos de reconhecimento e prestígio, mas que consiga contratos, negócios e uma remuneração digna de suas realizações absolutamente incríveis. Este seu colega do time olímpico de natação brasileiro não teve a mesma sorte. João Gonçalves Filho esteve em nada menos que sete olimpíadas representando o Brasil. Sendo cinco como atleta, em duas modalidades diferentes de esportes aquáticos. Ao lado, aliás, do famosíssimo intérprete do Tarzan, o norte-americano Johnny Weissmuller, forma a única dupla conhecida de atletas a disputar duas modalidades diferentes de esportes de água numa mesma edição dos Jogos. Helsinque em 52, Melbourne em 56, Roma em 60, Tóquio em 64 e México em 68. Além de excepcional nadador desde criança, João é considerado um dos melhores jogadores de polo aquático da história do esporte no Brasil. Atuou como jogador e depois como técnico, responsável por gerações de atletas treinados nas piscinas do Pinheiros, clube do seu coração e ao qual dedicou sua vida. Somados apenas seus principais títulos na natação e no polo, temos incríveis 26 títulos sul-americanos e 6 medalhas de jogos Pan-AmericanosSe tudo isso não bastasse, João é uma lenda também no judô. Faixa-preta desde os tempos do Exército, foi técnico e integrante da equipe olímpica brasileira, tendo tido papel fundamental na formação de judocas geniais como Aurélio Miguel e Douglas Vieira, para citar apenas os medalhistas olímpicos de uma enorme lista. O judô levou Gonçalves a outras 2 Olimpíadas, como técnico e treinador. Barcelona em 92 e Atlanta em 96, fechando o espantoso número de 7 Jogos. Sim, considerando seus 5 Jogos como atleta e os 2 como técnico, João Gonçalves Filho é o brasileiro com o maior histórico de participações em Olimpíadas em todos os tempos. O verdadeiro espírito esportivo, um espírito grande, que viveu numa época em que ser atleta ficava no limite entre o exótico e a loucura, na cabeça de boa parte da sociedade. Para sustentar a família, chegou a atuar como caminhoneiro e abrir academia de musculação e ginástica, entre outras atividades com as quais conseguiu criar sua família sem se afastar do esporte. João morreu no dia 27 de junho, aos 75 anos. Se poucos fora do mundo das piscinas e tatames sabiam de seus feitos geniais, menos ainda souberam de sua morte. Uma nota de pesar do comitê olímpico e outras duas ou três em rodapés de publicações esportivas...Muito pouco. Tão pouco que faz lembrar de um ditado tão antigo e gasto quanto verdadeiro: Um povo que não reverencia o passado não tem direito ao futuroSe o reconhecimento público foi pequeno, é importante registrar que o carinho, o respeito e a gratidão dos que com ele treinaram, competiram ou conviveram foram e são enormes. Uma boa amostra da intensidade do amor e da alegria com que Gonçalves curtiu sua incrível existência pode ser vista em http://is.gd/j62vK . João foi grande, dentro e fora do esporte.

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