terça-feira, fevereiro 28, 2012

O Estadista

Não estou aqui para defender Fernando Collor de Mello. Sua performance econômica foi desastrosa, a corrupção uma vergonha nacional e a capacidade de fazer inimigos um fenômeno. Sem dúvida alguma, o país respirou aliviado ao vê-lo partir. No aniversário de vinte anos de sua queda, a abertura de arquivos permite reavaliar seu papel como diplomata. O resultado é surpreendente. 
Collor jogou luz sobre os segredos do programa nuclear, submeteu a tecnologia a salvaguardas internacionais e criou um sistema inovador de controles com a Argentina. Sarney havia tentado tudo isso antes dele, mas sem sucesso. Collor recebeu pela primeira vez ONGs dedicadas a denunciar abusos aos direitos humanos. Ao fazê-lo, reverteu a política tradicional de denunciar essas organizações como "subversivas". Mostrou que a função da diplomacia não é promover o patriotismo a qualquer custo, mas melhorar efetivamente a vida das pessoas. Derrubou as barreiras comerciais que protegiam grandes indústrias às custas do cidadão, criando pela primeira vez uma cultura de proteção ao consumidor. Isso permitiu ao Brasil desenvolver uma diplomacia comercial assertiva antes e durante a criação da OMC. Vale lembrar que Collor fez isso com uma mera fração das receitas neoliberais adotadas mais tarde por FHC. 
No início do governo, Collor também buscou se aproximar dos Estados Unidos. Abriu mão de temas como tecnologias sensíveis e venda de armas, assegurando uma excelente recepção na Casa Branca. Poucos meses mais tarde, contudo, as fricções aumentaram e ele recusou-se a seguir os americanos a reboque na Guerra do Golfo. Na correspondência oficial, o então Presidente Bush (pai) trocou o "dear Fernando" pelo "Mr. President".
Esses elementos da diplomacia de Collor merecem respeito. Afinal de contas, foram profundos a ponto de nenhum sucessor querer ou poder revertê-los. As principais modificações que ele introduziu na diplomacia brasileira permanecem firmes até os dias de hoje. Collor fez tudo isso de forma atabalhoada. Sua política externa não foi resultado de reflexão profunda ou cálculo estratégico. Tratou-se de impulso, voluntarismo e um estilo pessoal que deixou assessores com medo e interlocutores estrangeiros perplexos. Ao assumir o poder, Collor conseguiu implementar essas iniciativas porque obtivera um poderoso mandato nas urnas para substituir um governo falido. Isolado por opção própria no Palácio do Planalto, o novo presidente avançou suas reformas cercado de uns poucos assessores, sem consulta ou negociação com os centros tradicionais de poder em Brasília. Munido de uma auto-imagem de guerreiro destemido, acelerou e atropelou obstáculos. Essas características pessoais foram as qualidades que lhe permitiram chacoalhar a política externa. Também foram os defeitos que lhe asseguraram a queda. Vinte anos mais tarde, subindo à tribuna do Senado para tentar manter o sigilo eterno de documentos históricos, ele insiste em ser o pior inimigo de si mesmo.

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