quarta-feira, junho 22, 2011

FHC tirou nota vermelha

O resgate da herança do governo de Fernando Henrique Cardoso vai tomando ares de contravetor na luta política, um antídoto a anos de fustigamento sistemático. Na operação para reabilitar o ex-presidente tucano ganham novo fôlego as versões a respeito da suposta injustiça histórica de que é vítima, e sobre a suposta essencialidade da sua passagem pela História do Brasil. As duradouras campanhas do PT contra Fernando Henrique não têm maior importância fora da pequena política. A História não registrará FHC como presidente dos ricos, nem como entreguista. Nesse particular, a simpática missiva de Dilma Rousseff nos 80 anos do tucano deixa em maus lencóis os militantes da mistificação. O que Dilma escreveu é até certo ponto verdadeiro: FHC teve sua importância na empresa anti-inflacionária e, no essencial, sempre foi um democrata. E daí? Daí nada. Não nasce da ideologia, ou da demonização, o principal ônus político-eleitoral imposto ao PSDB pela memória das administrações federais tucanas. Por isso, a contraofensiva ideológica tampouco fará a mágica de tapar o ralo por onde escapam as oportunidades dos tucanos voltarem ao poder. O problema do PSDB é que a memória do eleitor arquivou o balanço das administrações FHC na pasta dos empreendimentos que deram prejuízo. No exame final o governo dele foi mal avaliado. Tirou nota vermelha. Um veredito registrado na derradeira pesquisa Datafolha de 2002. Na qual apenas um em cada quatro consultados classificaram como boa ou ótima a gestão que terminavaAntes de concluir mal o governo, FHC vinha de duas vitórias eleitorais em primeiro turno para o Palácio do Planalto. Na primeira, personificou a luta exitosa contra a inflação. Na segunda, vendeu o peixe de que por ter batido a inflação era o mais indicado para fazer o país voltar a crescer e gerar empregos. FHC cumpriu satisfatoriamente o primeiro contrato, tanto que acabou renovando. Mas não cumpriu o segundo, e a frustração foi profundaInclusive pelas barbeiragens gerenciais que levaram à desvalorização tardia da moeda e à crise energética, esta decisiva para abortar a decolagem econômica prometida. Ao ponto de o período FHC oferecer ao adversário um discurso vitorioso por três eleições seguidas. Em 2002, 2006 e 2010 o eleitor levou a decisão para o segundo turno. Não quis carimbar direto o passaporte do PT. Mas, no fim das contas, entre ceder a caneta ao PT e arriscar-se a um novo governo de tipo FHC preferiu sempre a primeira opçãoHá duas maneiras de olhar esse fato. Uma é dizer que o eleitor anda anestesiado pelas campanhas contra o ex-presidente tucano. Equivale à tese de que o povo não sabe votar. A segunda é admitir que a maior dificuldade tucana está em o PT ter se saído melhor no governo federal do que o PSDB. Admitir que o eleitor tem seus motivos para a escolha que vem fazendo.O realismo manda cravar a alternativa b. Todos estão sujeitos ao autoengano, inclusive o PSDB. FHC, por exemplo, pode dizer que teria vencido a eleição de 1998 mesmo se desvalorizasse o real antes de o eleitor ir às urnas. Os resultados daquela eleição deram a FHC 53% dos votos. Ele passou raspando. Estaria em sério risco eleitoral caso precisasse enfrentar numa nova rodada Lula apoiado por Ciro Gomes. Será que a devalorização do real antes das urnas não tiraria de FHC os míseros três pontos percentuais que evitaram naquele ano o segundo turno? Uma nova rodada em que FHC não teria a possibilidade de novas alianças. E precisaria encarar um Lula revigorado, e destinatário natural dos votos não dados ao tucano. Em meados de 2002 o PT tratou de superar a herança programática no terreno econômico, e a iniciativa da Carta aos Brasileiros foi o marco simbólico. Uma ruptura necessária, sem trocadilhos. Só assim o PT chegou ao poder. E o movimento foi tão consistente que vem intocado, uma longa década depois. É o caso de especular se o PSDB, em vez de persistir no autoengano, não deveria quebrar a cabeça para encontrar uma maneira de romper explicitamente com a herança de FHC que tanta sobrevida tem proporcionado aos adversários.

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