terça-feira, setembro 12, 2006

Elucubrações de um Solitário

Em um artigo publicado na revista “Les Temps Modernes” de 1973, Jean-Paul Sartre analisou a evolução da democracia representativa em seu país, concluindo que a inércia dos cidadãos, presos às suas individualidades e desconfianças, os impede de se libertarem do eterno sistema político de dependência das elites sociais no poder. Ele acreditava que o povo desorganizado abdica do poder que lhe pertence quando é levado a aceitar as regras do jogo eleitoral, delegando aos políticos profissionais o direito de influenciar nas decisões nacionais que interferem nos seus interesses cotidianos. Com o sugestivo título de “Eléctions, piège à cons”, o artigo de Sartre vai buscar na história da democracia francesa os argumentos para sustentar sua tese. Começa com a criação do voto censitário no alvorecer da Revolução Francesa de 1789, que instituiu duas classes de cidadãos, a maioria da população francesa na época, foi excluída do direito de votar. Além disso, foi adotada a Lei Le Chapelier, que proibia qualquer associação de trabalhadores. No Brasil, o voto censitário foi instituído pela Constituição Imperial de 1924. Para votar, o cidadão brasileiro do século XIX precisava ter uma renda mínima. Nas últimas semanas, declarações sugeriram saudades do voto censitário. A preferência pelo presidente Lula é no eleitorado com renda mais baixa. A ampla aprovação dos programas sociais do governo fecha a equação: estão comprando o voto do eleitor desqualificado, Lula está saqueando para dar aos pobres e assim, os votos necessários para a permanência no poder. Esse é o raciocínio que a oposição conservadora e seus aliados na mídia tentam transferir para os que se julgam mais informados e mais injustiçados. É esse grupo que o “ex” instiga para “rechaçar todas as formas de populismo”, o tucano, que multiplicou a dívida pública para sustentar um populismo cambial e alterou a Constituição de forma nebulosa, afirma que a Bolsa Família “vem sendo desvirtuada”. Essas “elucubrações de um solitário” temperam o caldo que uma parte da oposição tenta engrossar para o período pós-eleitoral, com o auxílio dos “deformadores de opinião”. Referindo-se aos incomodados com os gastos sociais de seu governo, o presidente Lula disse que eles gostariam de “trocar o povo brasileiro”. Uma idéia que já teria gerado filosofias perigosas como a da raça superior defendida por Adolph Hitler. Para Tarso Genro, essa tentativa de “desvalorizar o processo eleitoral” é um recurso extremo que a oposição tenta utilizar depois de constatar que a campanha feita contra Lula não surtiu efeito. Ele considera que está surgindo uma nova classe média. O cientista político Ricardo Guedes, do Instituto Sensus, não consegue enxergar as razões dessa desqualificação do processo eleitoral. Ele observa que, em alguns levantamentos, Lula supera os adversários no segmento com escolaridade de nível superior. Guedes observa que o eleitorado pobre é mais pragmático na escolha de seus candidatos. Mas não se trata de um segmento com menor capacidade de discernimento. Guedes sustenta que o parâmetro que determina a escolha do eleitorado é se sua vida está melhor. E lembra que, mesmo no auge do mensalão, a percepção da maior parcela dos eleitores era de que o governo anterior era mais corrupto. “É óbvio que quem não tem contato com a população mais pobre do Brasil não conhece a realidade do país”, endossa o presidente do PT Ricardo Berzoini. Para ele, desqualificar o voto do eleitor mais pobre, que reconhece o governo do presidente Lula como responsável por sua vida ter melhorado, é desqualificar a democracia. “Democracia pressupõe que o voto do cidadão mais pobre tenha o mesmo valor do voto do empresário mais rico”. Quanto à acusação de populismo esboçada na crítica do “ex”, vale a pena conferir o relato do sociólogo Walder de Góes na Análise Política do IBEP. Ele conta que esteve na Europa e ouviu que, se Lula fosse votado por lá como candidato à Presidência do Brasil, venceria com pelo menos 70% dos votos. “A Europa parece acreditar firmemente que a liderança de Lula estaria salvando a América Latina”, relata Góes. Eis a opinião da esquerda européia. Esquerda que Sartre inutilmente tentou convencer que a democracia indireta é uma mistificação, pois: “Pretende-se que a Assembléia eleita seja a que melhor reflita a opinião pública. Mas só há opinião pública serial. A imbecilidade dos meios de comunicação de massa, as declarações do governo, a maneira parcial ou truncada pela quais os jornais refletem os acontecimentos, tudo isso vem encontrar-nos em nossa solidão serial e nos empanturrar de idéias pré-fabricadas, feitas daquilo que pensamos que os outros pensarão”.

Nenhum comentário: