quinta-feira, setembro 28, 2006

Todas as mulheres de Chico

Três tipos de “lindo” ecoaram à noite, insistentemente, às margens plácidas do rio Pinheiros, na nova turnê de Chico Buarque. O “lindooooooo” mais arrastado e devoto era das belas e solteiras afilhadas de Balzac. Mal Chico entoou os primeiros acordes de “Voltei a cantar”, e elas, cabelos escovados e roupas ainda cheirando a vitrines, já se jogavam todas. Um “lindooo” levemente mais econômico era o silvo das bem mais jovens. As raras gazelas viam pela primeira vez um Chico ao vivo. Acostumadas a shows em pé, para dançar, essas Renatas Marias esqueceram por uma noite o rock e levaram para casa, beleza roubada pelas fotos digitais, os olhos verdes do cantor. O “lindu” sincopado, quase um adultério cometido com o leve bater dos lábios, era de comportadas senhoras caídas sobre o peito de senhores austeros. Gritavam e davam aquela olhadinha para conferir se estava tudo bem. É Chico, meu bem, me perdoa por te trair, pareciam a dizer em sussuros imaginários. Sem drama, aquele show era um prenúncio do mal, a promessa de felicidade mais tarde! Júlia, a moça da mesa ao lado, perfume de quem saiu de casa com maus pensamentos, temente aos céus, sibila: “Que homem é esse, meu Deus!”. A amiga indaga: “Fazia?”, que no glossários dos amores de hoje significa o que você neste exato instante imagina. Para cada lindo, um “uhuuuu” bem mais grave, aquele que sai, meio selvagem, com aroma mal-intencionado, da garganta profunda das belas moças. Sim, muito “Chico, eu te amo” pipocando de todos os cantos do salão. E só na vigésima primeira canção, a lei mais explícita e almodovariana do desejo prevalece, impera e ganha voz: “Chico, eu quero dar pra você!!!” Finalmente a vontade coletiva de todas as fêmeas virava um desavergonhado manifesto escrito a batom e coragem. “Só você que quer, é, minha filha!?”, cutucou a amiga. Como elas se divertiam! Que graça uma mesa de mulheres brincando com o desejo como quem dança, de vestidinho sem nada por baixo, na chuva. No salão do Tom Brasil, Chico arriscou um samba, um passo. Não havia mais tempo para nada. Só para as Balzaquianas arrumarem os já desalinhados decotes. Tempo para os garçons me negarem um chorinho. Tudo bem, Chico no palco, durante todo o show, só bebeu água.

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