terça-feira, setembro 26, 2006

HELP

O escritor português Eça de Queiroz, com sua verve habitual, recomendava a todos que falassem “patrioticamente mal os idiomas alheios”. Seus conterrâneos parecem ter seguido o conselho do grande mestre. Mas Eça teria um ataque de nervos se passasse nos escritórios de empresas brasileiras. Nelas, abusa-se das expressões em inglês e, na falta delas, de traduções literais que ofendem a inteligência e os ouvidos. Existe nesse hábito um traço de colonialismo, de rejeição à cultura local. Há também um certo esnobismo. Afinal, o domínio de uma língua no Brasil é prova incontestável de cosmopolitismo. Por fim, isso serve para reforçar uma distinção social. Hoje, o domínio de outros idiomas é obrigatório. O ensino do inglês e espanhol deveria ser tão prioritário quanto o de matérias tradicionais. O aprendizado de línguas amplia horizontes, mas a utilização desse conhecimento além da conta revela deselegância. Uma das alegações é que não existem palavras equivalentes em português. Bobagem. É justamente o contrário. Software quer dizer programa. Cash flow significa fluxo de caixa. CEO pode ser substituído por Presidente. É possível fazer concessões para expressões como internet. As áreas de finanças e de tecnologia são as maiores usuárias dos estrangerismos. Podem alegar que são atividades altamente globalizadas. Mas, ora, deixem isso para as reuniões no exterior. Por conta disso, não é necessário atentar contra o português criando neologismos quase incompreensíveis. Nesses tempos de fusões e aquisições, deram para lançar mão da palavra “bidar”. Isso mesmo, do verbo inglês to bid, cujo significado é fazer uma proposta de compra. Em alguns casos, a transposição do inglês é tão torta que bate de frente com palavras já existentes no português. As confusões são inevitáveis. Certa vez, um executivo de um fabricante de caminhões disse sobre a greve de caminhoneiros que estava parando o País: “nós entendemos as reivindicações deles, mas não podemos "suportar" essa atitude.” Questionado se ele estava irritado, ele disse que não. O diálogo tornou-se uma conversa de surdos. Até que ele explicou. Suportar, em seu vocabulário, era uma derivação do verbo to support, que ele havia criativamente adaptado para a “última flor do lácio, inculta e bela”. O pessoal da área de informática contribui bastante para esse estado de coisas. Logo que a indústria de software (desculpem, programas) começou no Brasil, os técnicos criaram a pérola “localizar software". Quando ouvi, pensei que haviam perdido o programa. Nada disso, localizar vem de to become local, ou seja, adequar, ou adaptar. Mas, não, preferiram, e ainda preferem, localizar.
Help, meu Santo Eça de Queiroz.

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