quarta-feira, novembro 08, 2006

Liberdade, Igualdade e Pós-Modernidade

Umberto Eco é autor de um artigo em que examina a vida moderna através do comportamento dos fanáticos do chamado esporte bretão, jogo aperfeiçoado pelo povo da República Federativa do Brasil. Eco odeia os fanáticos do futebol, porque os vê como agentes do nacionalismo ecumênico, como "criaturas tão convencidas da igualdade entre os homens que são capazes de quebrar a cabeça do fanático da província limítrofe". Convencidos da universalidade do seu particularismo distribuem porradas nos que estão no mundo exatamente como eles, só que do lado contrário. Eco descobre no fanático do futebol, o ser emblemático da pós-modernidade, o apóstolo da homogeneidade absoluta do discurso, um ponta-de-lança da igualdade ao rés das chuteiras, que esconde sua obsessão pela igualdade mais primária sob a paixão pela cor diferente da camisa de seu clube. "Não têm sequer a noção de diversidade, variedade e incomparabilidade dos mundos possíveis". Lembrei-me de Jean-François Lyotard e de seu elogio da pós-modernidade. Ele dizia: "Não podemos mais recorrer à grande narrativa - não podemos nos apoiar na dialética do Espírito, nem mesmo na emancipação da humanidade para validar o discurso científico pós-moderno". Para Lyotard, a verdade é a parte. A fragmentação é o único caminho que pode reconciliar o indivíduo com a sociedade, parece proclamar Lyotard em sua fúria para destruir a herança do Iluminismo. Ele argumenta que as concepções teóricas, as interpretações da história são necessariamente coercitivas e dogmáticas e, pior que isso, as Filosofias da História levam inexoravelmente a humanidade ao beco sem saída da opressão e do totalitarismo. Hegel havia imaginado que a igualdade e a diferença não só seriam indissociáveis na sociedade moderna, como deveriam subsistir, reconciliadas, sob as leis de um Estado Ético. Este Estado permitiria a cada elemento preservar sua diferença em relação aos outros e, ao mesmo tempo, harmonizá-la entre si, manter a integridade do todo. Mas, as transformações econômicas das sociedades modernas e o fracasso das tentativas de impor o Estado Ético reforçaram, na verdade, a fragmentação e, neste particular, o discurso da pós-modernidade apenas conclui o que os fatos dizem. Os fatos dizem que assistimos ao declínio das Utopias, à degradação das propostas coletivas, ao memento mori das Grandes Filosofias. O mundo parece se aproximar, em sua evolução e na transformação das consciências, de um incompreensível mosaico colorido, formado por todas as torcidas de futebol que têm em comum a paixão pela bola e a dificuldade de aceitar as razões do outro. "Deixem que os outros venham a nós. Assim poderemos bater à vontade", resume Eco. O crítico norte-americano Fredric Jamenson suspeita que a passagem do período moderno para o pós-moderno significou a substituição da alienação do sujeito pela fragmentação do sujeito. Jamenson está preocupado com a incapacidade do sujeito moderno compreender o sentido do que aparece fragmentado. Para ele, a fragmentação do sujeito e de sua vida é a contrapartida da integração cega - e cada vez mais abstrata e inalcançável - promovida pelas forças "objetivas" que controlam a sociedade. Na verdade, isso significa que a transnacionalização dos mercados e da produção, dos estilos de vida e de consumo, opera sem descanso e promove a colonização da vida individual e coletiva. A lógica implacável da concorrência globalizada impõe a submissão da vida privada às incertezas de um processo impessoal que é absolutamente indiferente ao destino dos indivíduos. As empresas mudam suas fábricas para a China. Para o cidadão comum, processos econômicos incompreensíveis o arrastam ladeira abaixo. As erráticas e inexplicáveis convulsões das Bolsas ou as misteriosas evoluções das moedas são capazes de destruir suas condições de vida. Mas o consenso dominante trata de explicar que se não for assim sua vida pode piorar ainda mais. A formação deste consenso é, em si mesmo, um método eficaz de bloquear o imaginário social, impedi-lo de buscar, mediante a ação coletiva, a construção da sociedade em que se torne possível o exercício da autonomia e da liberdade.

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