terça-feira, março 15, 2011

Tea Party


Em meio à euforia que acompanhou a queda do regime de Hosni Mubarak, um jovem engenheiro egípcio manifestava seu júbilo na já lendária Praça Tahrir. Abriu uma faixa de solidariedade: “O Egito apoia os trabalhadores de Wisconsin – Um só mundo, um só sofrimento”. A grande recessão provocada pelos abusos da finança desregulada e fraudulenta deixou a maioria dos estados americanos na tanga. Nos últimos dois anos, as receitas caíram vertiginosamente e as despesas com os direitos assegurados cresceram rapidamente. Barack Obama, às voltas com os falcões republicanos, não encontrou meios para socorrer de forma efetiva os estados mergulhados na crise fiscal. Mas em meio ao festival de grana curta, não faltou inspiração para promover mais uma rodada de redução de impostos aos ricos e às empresas. Definida essa exibição de generosidade, as bordoadas sobraram para os de sempre. Desta vez, os escolhidos para bode expiatório do desarranjo provocado pela finança desvairada foram os Sindicatos de Funcionários Públicos de Wisconsin. O projeto de lei enviado ao Legislativo pelo Governador Republicano Scott Walker elimina a negociação coletiva do rol de direitos dos trabalhadores. Para barrar a investida dos republicanos, cerca de 70 mil trabalhadores, manifestaram sua inconformidade com a lei em Madison. O deputado republicano Robin Voss menosprezou a força dos manifestantes e proclamou “o apoio maciço dos que não estavam na praça”. Um punhado de sequazes do governador Walker, gente sabidamente civilizada e cultivada do Tea Party, tentou uma contramanifestação gritando, “passem a lei, passem a lei”. Foram rapidamente cercados pela maioria que gritava “matem a lei, matem a lei”. Walker joga pesado. Não aceita negociar com os funcionários. Sua intransigência incomoda muita gente no próprio Partido Republicano. Duro na queda, o governador mantém a recusa, a despeito dos sinais emitidos pelos sindicatos de que estão dispostos a fazer concessões. Argumenta o governador que nada tem na mão para ceder. “Assim como quase todos os estados americanos, nós estamos quebrados.” Depois de favorecer as empresas com uma redução de impostos de 117 milhões de dólares, Walker propôs, para cobrir o prejuízo, dobrar o valor da contribuição dos funcionários aos planos de saúde e um aumento substancial no pagamento dos planos de aposentadoria. Isso, naturalmente, além da supressão do direito à negociação coletiva. Os cálculos do Budget Office de Wisconsin asseguram que essas medidas vão proporcionar uma receita de 300 milhões de dólares em dois anos. Os déficits que assolam os estados americanos nasceram, vou repetir, da forte recessão. Até os lêmures sabem que quando o nível de atividade afunda, o gasto privado sofre forte contração e a receita fiscal desmorona, como aconteceu nos Estados Unidos. Bem disse Warren Buffett que os Estados Unidos atravessam um período de intensa luta de classes. “Só que os ricos estão ganhando”, concluiu o bilionário. A revista The American Prospect publicou uma edição especial sobre o declínio da classe média dos Estados Unidos e a descrença crescente da população na realização do sonho americano. Há poucas dúvidas entre os especialistas a respeito da razão central da escalada dos remediados para as camadas inferiores da pirâmide social: a perda de substância industrial da economia. A desindustrialização queimou milhões de postos de trabalho. O transplante de fábricas para a China destruíram o ecossistema manufatureiro. “Desindustrialização não significa apenas despedir trabalhadores e derrubar edifícios. As indústrias ficam doentes e morrem de uma forma muito mais complicada”. Até agora a regressão socioeconômica da classe média secretou mais ressentimentos do que reações políticas, o que engordou as legiões do conservadorismo fanático. Mas nem o fanatismo dos fundamentalistas cristãos americanos consegue sobreviver ao desemprego elevado, à raquítica criação de empregos de baixos salários, para não falar das famílias despejadas das residências retomadas pelos bancos. A sensação de que há algo de podre na Terra das Oportunidades começa a movimentar as frações mais atingidas pela crise. As pesquisas de opinião mostram que, mesmo os republicanos moderados, não só repudia majoritariamente a subtração de direitos como volta sua ira contra os verdadeiros responsáveis pela crise, os senhores de Wall Street. Chris Weigand faz previsões tão sinistras quanto prováveis: “Estamos chegando muito próximos de uma situação em que os serviços públicos que cuidaram dos americanos por muitas gerações estão perto de desaparecer”. Usurpando a função dos repórteres, passei a indagar de conhecidos e outros nem tanto se, por acaso, tinham notícia do que ocorria no estado de Wisconsin. “Provavelmente uma forte nevasca”, respondeu um cidadão que mastigava uma coxinha junto ao balcão. Esse, ao menos, sabia das condições climáticas da região. À maioria esmagadora dos brasileiros, inclusive às classes abastadas, sempre presunçosas da excelência de sua formação e informação, foram subtraídas incompreensivelmente as notícias sobre os acontecimentos em Wisconsin, Indiana e Ohio.

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