terça-feira, abril 05, 2011

A República da Bósnia e o Império da FIFA

A Seleção de Futebol da Bósnia e seus clubes estão fora de todas as competições da FIFA e da UEFA. Restou-lhes, portanto, apenas e tão somente o campeonato doméstico e jogos amistosos. Que a FIFA tenha imposto sua mão pesada e arbitrária não me surpreende, mas que a UEFA tenha acompanhado a nave-mãe surpreeendeu-me, embora entenda. Prevaleceu a vontade dos burocratas. Não duvido que 2015 seja o pano de fundo desses movimentos, quando, comenta-se, Michel Platini, presidente da UEFA será candidato à sucessão que se previa ser de Blatter, mas que poderá ser de Bin Hammam. O que originou tal ato de extrema força? Dizem os estatutos da FIFA que o futebol de um país deve ter uma federação estruturada como eles determinam, o que inclui um comando único. Ora, a Bósnia-Herzegovina é uma república federal independente, membro pleno da ONU desde 1992 e vive uma situação interna terrível, da qual, nós brasileiros, não temos a mais remota ideia. A Bósnia nasceu em 1918, no final da I Grande Guerra, como o Reino dos Sérvios, Croatas e Eslovenos, adotando o nome Iugoslávia em 1929. Deixou de existir como estado nacional em 1941, invadida pelas tropas nazistas, situação que perdurou até o final da II Grande Guerra, quando, sob a liderança do Marechal Josip Broz Tito, que comandou a resistência à ocupação nazista com seus guerrilheiros, os famosos partizans, foi recriada, como República Popular Federal da IugosláviaNum primeiro momento a Iugoslavia alinhou-se à União Soviética, mas a partir de 1948 liberou-se da tutela soviética e veio a tornar-se fundador do bloco dos “países não alinhados”. Com a morte de Stalin e o processo de desestalinizacao de Khruschev, voltou a alinhar-se à URSS, sempre dirigida com mão-de-ferro por Tito. A Iugoslávia era um modelo em pequena escala, guardadas as muitas diferenças, da própria União Soviética, pois era composta por nada menos que 6 repúblicas diferentes: Eslovênia, Sérvia, Croácia, Macedônia, Montenegro e Bósnia-Herzegovina. A divisão, porém, não terminava nisso: seus habitantes dividiam-se em 5 diferentes etnias, 4 idiomas, 3 grandes religiões e 2 alfabetosCom a implosão da URSS, seus satélites foram caindo um a um, com alguns deles dividindo-se, abandonando as velhas uniões forçadas e artificiais, como a Tchecoslováquia, que deu origem a dois países diferentes e a Iugoslávia, que dividiu-seTodo esse período foi marcado por guerras terríveis, em que os fatores étnicos e religiosos foram estopim e combustível, simultaneamente. Sobre isso, recomendo a todos que não acompanharam esse período e seus episódios trágicos, em plena Europa, que deem uma lida na própria internet. Há coisas que todo ser humano, por mais distante que esteja delas, precisa conhecerNa Bósnia a violência e a crueldade atingiram níveis tais que se torna difícil acreditar que tenham existido. Regiões tomadas por uma facção, passavam por um processo de “saneamento”, com a eliminação pura e simples de populações inteiras, por motivos étnicos ou religiosos ou ambos. Restaurada a paz, que só se mantém por conta da presença de forças das Nações Unidas em seu território, eleições foram realizadas e atingiu-se um certo grau de normalidade. Para conseguir um mínimo de governabilidade, com paz interna e a possibilidade de construir uma nação, o povo da Bósnia-Herzegovina montou um esquema de governo formado por 3 presidentes. Eles são eleitos por 4 anos e revezam-se no poder a cada 8 meses. Um é bósnio e muçulmano, outro é sérvio e cristão ortodoxo e o outro é croata e católico. Nesse caldeirão sobrevive o futebol. A Federação Bósnia tem 3 presidentes, tal como o país. Em nome da manutenção da paz, a FIFA condescendeu em aceitar a presidência tripartite até hoje. Agora não quer mais, quer um presidente único, exigido, pelo que sei, exclusivamente pelo apego dos burocratas às suas próprias regras e regulamentos. No que a FIFA, por sinal, é pródiga. Para as Nações Unidas a situação bósnia ainda é delicada. Pelo que sei, a mesma coisa pensam seus habitantes. A FIFA, porém, discorda e pune. Com a mesma desfaçatez e postura imperial com que impõe normas diferentes aos estádios brasileiros programados para a Copa. Por conta desses caprichos, projetos já aprovados são refeitos, orçamentos estouram e prazos são espremidos. A Bósnia-Herzegovina não curvou-se aos ditames imperiais e foi suspensa. O Brasil a tudo se curva e segue adiante com a festa da Copa. Cliquem aqui para matéria do GloboEsporte a respeito.

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