quinta-feira, outubro 20, 2011

Mirem no ICMS


Houve uma grande discussão na Constituinte para decidir se a receita do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços deveria ser apropriada pelo Estado de origem ou de destino do produto. Os constituintes, liderados por José Serra, preferiram o local de origem da produção. Essa decisão mostrou-se um erro grave, pois ela piorou as desigualdades regionais do país, uma vez que os Estados mais industrializados passaram a ter a maior fatia do bolo do ICMS. Um consumidor do Piauí que comprar um carro zero quilômetro talvez não saiba que uma parte do ICMS que pagará, no ato de aquisição, irá para o Estado de origem do veículo. A receita do tributo deveria ser apropriada pelo governo do Estado onde mora a pessoa que comprou a mercadoria, pois é ele que irá prestar os serviços públicos que o consumidor demandará. A decisão dos constituintes desencadeou uma “guerra fiscal” entre os Estados, pois todos os governadores perceberam a lógica do sistema adotado. Eles passaram a conceder incentivos fiscais de todos os tipos para atrair indústrias e, dessa forma, ampliar sua participação no ICMS. Ao decidir que o ICMS seria apropriado na origem da mercadoria, os constituintes tiveram que enfrentar um problema sério, pois o ICMS incidente sobre petróleo e seus derivados e sobre energia elétrica seria apropriado por poucos Estados onde esses bens essenciais são extraídos. Os constituintes decidiram tirar da origem a apropriação da receita do ICMS sobre petróleo e seus derivados e energia elétrica, com o argumento principal de que foi a poupança de toda a nação que permitiu os investimentos da Petrobras e a construção das hidrelétricas. Os constituintes deram uma compensação aos Estados que perderiam receita com essa decisão. A compensação veio na forma de participação desses Estados e municípios nos royalties do petróleo e da energia elétrica. Ocorre que os valores pagos a título de royalties do petróleo eram, no início, irrisórios, de maneira que não despertavam a cobiça dos demais governadores. Para se ter uma ideia, o Rio de Janeiro recebeu apenas R$ 56 milhões em royalties em 1998, de um total de R$ 284 milhões arrecadados naquele ano. O forte aumento da produção do petróleo no Brasil mudou esse quadro. No ano passado, o Rio ficou com mais de R$ 6 bilhões de royalties e participações especiais e os municípios fluminenses, com mais R$ 3 bilhões. Com a descoberta das imensas reservas de petróleo do pré-sal, que ficam na plataforma continental brasileira, a perspectiva é de que a receita com royalties cresça de forma exponencial. É natural, portanto, que os Estados e municípios não confrontantes com as áreas da plataforma onde estão os campos do pré-sal também queiram participar do bolo. A decisão sobre o ICMS provocou também outra medida polêmica. Quando os parlamentares definiram os critérios de rateio dos recursos do Fundo de Participação dos Estados, a participação do Norte, Nordeste e Centro-Oeste foi elevada de 78% para 85% sem uma argumentação técnica. Segundo o relator da lei, o então deputado Firmo de Castro, procurou-se, com esse aumento, “distribuir melhor os ganhos da reforma tributária, vez que a ampliação da base de incidência do ICMS beneficiará mais fortemente os Estados mais desenvolvidos do país”. O percentual de cada Estado no bolo do FPE também foi fixado sem critério, tendo em vista apenas circunstâncias históricas. Essa lei foi considerada inconstitucional pelo Supremo e o Congresso terá que aprovar, até dezembro de 2012, nova lei, com critérios que garantam o equilíbrio socioeconômico entre os Estados. Por causa da confusão provocada pelo ICMS na origem, os Estados e municípios estão em confronto aberto pelos royalties do petróleo, como se eles fossem apenas mais uma fonte de recursos para financiar gastos. O petróleo é um recurso que deverá acabar em algumas dezenas de anos. Por isso, os recursos decorrentes de sua exploração deveriam alimentar um fundo público de poupança, destinado a financiar o desenvolvimento do país, com aplicações prioritárias na educação e em ciência e tecnologia. Além disso, é necessário pensar nas futuras gerações, quando as receitas do petróleo já não existirão.

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