segunda-feira, março 12, 2012

Transgressão

Nos últimos 10 anos, Desembargadores do Tribunal de Justiça de São Paulo receberam seus atrasados acrescidos de juros de 1% ao mês. A taxa deveria ter sido de 0,5%. Dias depois o Presidente da Corte, Ivan Sartori, disse que isso aconteceu porque “o Tribunal, simplesmente, por descuido, deixou de rever essa forma de correção quando vieram leis específicas da Fazenda”. Descuido??? Com juros não se brinca. Conta a lenda que em 1676 os holandeses compraram a ilha de Manhattan dos índios pelo equivalente a 24 dólares. A juros compostos de 7% anuais, hoje esse dinheiro seria suficiente para comprar todo o patrimônio imobiliário da ilha. As cifras recebidas por 29 Desembargadores paulistas investigados porque teriam furado a fila de acesso às indenizações sempre soaram esquisitas. Um milhão para cá, R$ 500 mil para lá. Os magistrados tinham direito ao dinheiro. Afinal, em 2000, o auxílio-moradia dado aos parlamentares foi estendido aos Juízes e, oito anos depois, foi reconhecido um crédito retroativo. O auxílio-moradia para Desembargadores que trabalhavam em São Paulo ficou em R$ 3 mil mensais. Num exemplo hipotético, com juros de 0,5% ao mês, uma pessoa que fosse indenizada por quantias idênticas, pelo mesmo período de 40 meses, num cálculo feito ao final de dezembro 2010, receberia  aproximadamente R$ 250 mil. Se os juros fossem de 1%, a fatura ficaria em torno de R$ 700 milA teoria do “descuido” é pobre. Não foi um erro de conta. Se fosse, teria ocorrido “simplesmente” um constrangedor e bondoso equívoco. Foi uma transgressãoAs “leis específicas da Fazenda” mandavam uma coisa e o TJ-SP distribuiu o dobro. Se a lei fixa uma taxa e os Desembargadores usufruem de outra, abala-se a confiança que a patuleia deposita em suas sentençasVá lá que todos os Desembargadores vissem no estacionamento da Corte o Porsche Cayenne do presidente do Tribunal que autorizou esses pagamentos. Vá lá que se desse aos Desembargadores que vieram da advocacia privada o direito de receber licenças-prêmio da Viúva pelo tempo em que trabalhavam em bancas particulares. Vá lá que, por necessidades especiais, 29 afortunados passassem à frente dos outros 324 magistrados. Vá lá que entre essas necessidades estivesse a reforma de um apartamento inundado pela chuva. Esquisito, porém legal; juros dobrados, nãoNão custa repetir o ensinamento do juiz Louis Brandeis: “A luz do sol é o melhor desinfetante”. O Tribunal de Justiça de São Paulo precisa divulgar todos os nomes, cifras e cálculos que guarda consigo. Fazendo isso, o Judiciário será o maior beneficiado. Do jeito que estão as coisas, arrisca-se um pesadelo: um dia, Desembargador deixar de ser título, tornando-se adjetivo.

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