terça-feira, março 06, 2012

Um Estado de controvérsias

Dois fatos abalaram profundamente os fundamentos dos diferentes modelos do Estado moderno: a globalização, gerando uma notável mobilidade de capitais e de mão-de-obra, e as novas tecnologias de comunicação e informação. O denominado socialismo real resultou em rotundo fracasso, em virtude da ineficiência econômica e da corrupção. As diversas espécies de Estado mínimo, glamorizadas pelo virtual sucesso do governo de Margareth Thatcher, estão na raiz das espetaculares e recentes crises econômicas internacionais, que evidenciaram o enorme equívoco da deificação do mercado. Já o Estado de bem-estar social mostrou-se incompatível com as cargas tributárias decrescentes exigidas pela vigorosa competição internacional. A expansão dos programas sociais impõe custos para a sociedade, somente suportados por cargas tributárias elevadas. Financiá-los com dívida pública é desastre certo. Foi nesse contexto que explodiram crises em vários países da Europa, das quais resultaram ondas de indignação. A propósito, já observava Upton Sinclair: “é difícil conseguir que um homem perceba alguma coisa quando seu salário depende de não percebê-la”. Sobre o modelo chinês de Estado, pouco se sabe. Em boa parte pelo caráter introspectivo de sua cultura secular. Falar-se, no caso, em capitalismo de Estado corresponde a uma grosseira simplificação dessa realidade. A única e reconhecida evidência é o impressionante sucesso de suas políticas econômicas recentes. Decifrar o enigma chinês, por conseguinte, vai requerer muito mais do que os modelos analíticos ocidentais ensinam. O fracasso dessas soluções, ressalvado o indecifrável caso da China, aponta para a construção de novos modelos de Estado. Por ora, as dúvidas prevalecem sobre as certezas. No Brasil, como se sabe, a racionalidade e a coerência não constituem virtudes suficientemente cultuadas. A despeito disso, existem problemas no Estado que não mais comportam adiamentos, antes que sejamos condenados a resolvê-los em tempos de crise. A questão mais grave é a previdenciária. Os colossais déficits só tendem aumentar com o aumento da expectativa de vida da população e redução dos índices de natalidade, o que nos obriga a adotar uma postura de responsabilidade para que as gerações futuras não sejam oneradas pela nossa incapacidade de resolver os problemas presentes. Nesse sentido, foi alvissareira a aprovação, pela Câmara dos Deputados, das regras de aposentadoria aplicáveis aos entrantes no serviço público federal. É verdade que a matéria ainda está pendente de aprovação no Senado e de sanção presidencial. De mais a mais, os Estados e os Municípios precisam tomar decisões do mesmo gênero, sob pena de criar distorções no setor público. Ainda em termos de política previdenciária, malgrado os custos políticos, já passou da hora de eliminar injustificados privilégios de gênero e profissão e de rever os limites de idade para aposentadoria, fixados na Constituição, como se fosse possível constitucionalizar expectativa de vida. A política de pessoal é caótica, sobretudo em virtude de um desgovernado torneio salarial entre distintas carreiras e assemelhadas carreiras dos diferentes Poderes. As vantagens da função pública são tão evidentes que, não raro, pessoas passam a se dedicar exclusivamente à preparação para concursos públicos, assumindo a curiosa ocupação de “concurseiros”. A prodigalidade dos cargos comissionados de livre nomeação abre espaços para o fisiologismo e o aparelhamento, cujo enfrentamento exige a fixação de critérios técnicos para seu provimento. Ainda que o STF tenha suprido a lacuna legal no disciplinamento das greves do serviço público, acolhendo em parte regras próprias da iniciativa privada, é lamentável a mora legislativa no tratamento da matéria. Esse estado de coisas cria condições para que sejam deflagradas as selvagens greves de policiais, em completo desrespeito à Constituição. Greve de pessoas armadas é motim!!! Não pode, portanto, haver condescendência nas punições. O mais grave é que as demandas policiais são maculadas por um impressionante processo de corrupção e de ineficiência que explica a dramática falência do sistema de segurança pública do País. De resto, greve no serviço público, não se pode esquecer, tem como alvo a própria população, daí porque requer uma legislação bastante restritiva. Superar esses problemas, entretanto, significa disposição para enfrentar fortes resistências. A experiência, entretanto, me oferece boas razões para ser cético quanto ao sucesso da tarefa.

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